Relatório relaciona monocultura de eucalipto e violações aos direitos humanos de quilombolas
Desequilíbrio ambiental; fome; miséria; doenças; muita destruição; engano; inseto; impacto psicológico; destruição das matas, da flora, das nascentes, dos rios, dos córregos e da saúde; desestruturação econômica, cultural e religiosa; desrespeito; perda de terras; depressão; desorganização e destruição das famílias quilombolas; invasão da polícia militar nas comunidades; expulsão dos jovens; desemprego; falta de trabalho; trabalho semi-escravo; insustentabilidade; usurpação; poluição; destruição da vida; e violação de direitos.
Estes elementos podem ser encontrados nas respostas de quilombolas do Espírito Santo quando questionados sobre os últimos 40 anos de atuação da Aracruz no estado. Eles foram escutados durante a pesquisa do “Relatório de Impactos em Direitos Humanos de Grandes Projetos (EIDH/RIDH): O caso do monocultivo de eucalipto em larga escala no Norte do ES – o projeto agroindustrial da Aracruz Celulose/Fibria e as comunidades quilombolas do Sapê do Norte”. O Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH/ES) e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) da Serra apresentaram o estudo, no dia 27 de maio, na Assembléia Legislativa capixaba.
O EIDH/RIDH-ES se debruçou sobre os 40 anos de violação de direitos humanos nas mais de 30 comunidades quilombolas no Sapê do Norte, nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Ali vivem cerca de 6 mil quilombolas, que sofreram mudanças drásticas no seu modo de vida a partir da implantação do monocultivo de eucalipto nas suas terras, sobretudo pela empresa Aracruz Celulose, hoje Fibria.
O estudo se dividiu em capítulos sobre os direitos humanos à terra, ao meio ambiente, à alimentação e ao trabalho, e o processo de perseguição e criminalização dos quilombolas implementado pela empresa Aracruz Celulose/Fibria, em aliança com agentes públicos e o Movimento Paz no Campo (MPC) – uma organização que reúne fazendeiros e alguns segmentos locais que se opõem aos direitos territoriais dos quilombolas.
O direito a terra
Uma investigação realizada por um ano constatou que o direito à terra dos quilombolas foi gravemente violado. Vasta documentação acessada pela equipe que produziu o EIDH/RIDH prova de que a Aracruz se apropriou, com a anuência do Estado, de terras devolutas pertencentes a estas comunidades.
O estudo relata casos extremos de manipulação. Um deles é o de Antonio Alage que, em 1947, um ano antes de seu nascimento, em 1948, adquiriu 200 hectares em Itauninas, Córrego de Santo Antonio, em Conceição da Barra. O mesmo Alage requereu, em 11/09/1975, 178 hectares de terras devolutas do estado do Espírito Santo num lugar denominado Rio Santana em São Mateus, passando esta área um dia depois para a Vera Cruz Agroflorestal S/A, subsidiária da Aracruz. Os intermediários não receberam nada por isso, prestavam apenas um “favor” à empresa. O EIDH/RIDH aponta que essas posses da Aracruz são, portanto, ilegais, e que “as comunidades foram vítimas de esbulho e ato simulado no processo de aquisição de terras”.
As denúncias vieram à tona na CPI da Aracruz em 2002. No entanto, até hoje um pedido à Procuradoria Geral de Estado, feito em 2004, para anular essas legitimações ilegais, não teve nenhum resultado efetivo.
A partir da resistência e da organização dos quilombolas, a Constituição e, posteriormente, o Decreto 4.887/2003 buscam reparar a violação do direito territorial. Desde então, o Incra elaborou cinco relatórios de identificação dos territórios quilombolas no Sapê do Norte, delimitando seus limites e incluindo diversas áreas hoje cobertas por eucaliptos da Aracruz/Fibria. Todavia, nenhum desses territórios foi demarcado até o momento.
Meio ambiente
Os desmatamentos e os plantios de eucalipto resultaram na violação do direito a um meio ambiente “ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo”, consagrado na Constituição e também em acordos internacionais. A chegada da Aracruz fez com que comunidades perdessem suas riquezas como a mata, com sua fauna e flora, os rios e córregos, reduzindo drasticamente a quantidade e qualidade de peixes na região. Hoje, a mata praticamente acabou e os rios secaram em função do plantio de eucalipto.
No EIDH/RIDH-ES, lideranças quilombolas afirmam que a aplicação constante de agrotóxicos contamina o meio ambiente onde vivem e do qual dependem. Um caso gritante é o do trabalhador Jorge Francelino, doente em função do trabalho de aplicador de veneno nos eucaliptais feito para a Plantar, empresa terceirizada da Aracruz. Ele conseguiu, depois de muitos anos receber uma indenização da empresa, mas isso não trouxe de volta a sua saúde: “Às vezes, não sei o que sinto na cabeça. Uma dor de cabeça passa com comprimido. Mas a minha é dor na cabeça. Ela fica anestesiada, me dói muito a testa, o nariz…Um dia, amanheço com um ouvido surdo, outro dia tem o outro que está surdo. A laringe me dói. E, hoje, estou com as duas pernas inchadas!”.
Além disso, a transformação do ambiente dos quilombolas num grande deserto verde impossibilita a caça, a pesca, a extração de madeira para construção de casas, a coleta artesanatos, a fabricação artesanal de farinha e a roça diversificada. Com isso, houve a violação do direito a alimentação adequada, incentivando a insegurança alimentar. O estudo aponta a violação diferenciada das mulheres, contratadas pela Plantar para aplicação de veneno nas plantações de eucalipto.
Criminalização
Hoje, em muitas comunidades, predomina o chamado facho: a coleta dos galhos e pontas do eucalipto, e a fabricação de carvão, que garantia a sobrevivência de muitas famílias. Assim as novas gerações são obrigadas a incorporar uma atividade de trabalho caracterizada por condições sub-humanas. Viola-se o direito ao trabalho digno.
Inicialmente, a coleta do facho era permitida pela Aracruz/Fibria por meio de um acordo com uma associação local. A partir de 2004, a empresa buscou extinguir gradualmente essa prática, alegando questões tributárias e trabalhistas. Em seguida, iniciou-se um processo de criminalização dos quilombolas, impedindo e restringindo seu acesso ao facho, apoiado pelas empresas de segurança Visel e depois Garra, também terceirizadas para o serviço de segurança – consideradas pelas comunidades como uma milícia armada.
O Estudo relata que o primeiro caso ocorreu em 2006, quando a própria Aracruz/Fibria propôs aos quilombolas a cata de fachos numa área no município de Linhares. Entretanto, quando os trabalhadores estavam no local, a polícia os prendeu acusados de roubo. Oitenta e duas pessoas, a maioria quilombola, foram parar atrás das grades. Sem o conhecimento destes, já havia uma decisão judicial de interdito proibitório para o local. Joelton Serafim Blandino, quilombola, conta que “estava muito difícil, porque não tinha emprego para sustentar a família, quando fomos agredidos lá em Linhares. Não sou ladrão, só estou lutando pela minha sobrevivência e da minha família”.
Outro caso ocorreu no dia 11 de novembro de 2009, na comunidade de São Domingos, quando 130 policiais militares chegaram na comunidade, com armamento pesado, cães e cavalos, e prenderam 39 pessoas, inclusive um deficiente visual e um senhor de 83 anos, que veio a falecer 3 meses depois. O estudo explica que a ação da policia impressiona por sua própria ilegalidade: a ação ocorreu às 8 horas, enquanto o mandado judicial para a mesma só saiu depois do meio dia. Além disso, o mandado era de busca e apreensão, e não de prisão. No caminho para a delegacia, os policiais pararam para pegar comida num dos escritórios da Aracruz/Fibria, enquanto deixavam as 39 pessoas algemadas no ônibus, com alguns policiais fortemente armados.
http://iranpas.blogspot.com/2010/06/violencia-e-destruicao-da-aracruz-no.html