Afirmando o papel do Brasil como potência regional, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou ontem um acordo energético com o Presidente peruano Alan Garcia que prevê a construção de cerca de seis grandes hidroelétricas na Amazônia Peruana para gerar mais de 6.000 MW de energia, principalmente para exportação ao Brasil.
Os projetos foram desenvolvidos pela estatal Eletrobrás em parceria com grandes empreiteiras brasileiras, como a Odebrecht e Andrade Gutierrez, que também devem participar da construção dos empreendimentos, com financiamento previsto pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Com um custo estimado em US$15 bilhões, as hidreletricas foram concebidas para produzir energia voltada principalmente para fornecimento ao Brasil.
“Este acordo não irá garantir energia limpa e renovável para o Peru. Ao contrário, vai impor uma série de impactos ambientais e sociais negativos, como o deslocamento de povos indígenas e o desmatamento acelerado em pelo menos cinco provincias do Peru, colocando em grave risco o futuro da Amazônia Peruana,” afirmou Mariano Castro, ex-Secretário-Executivo do Conselho National Peruano de Meio Ambiente (CONAM) e advogado da Sociedade Peruana de Direito Ambiental (SPDA).
Um dos primeiros projetos a serem construídos no âmbito do acordo seria a Hidreletrica de Paquitzapango no Rio Ene, que afetaria cerca de 17.000 indígenas da etnia Ashaninka, ameaçando a Reserva Comunitária Ashaninka, assim como o Parque Nacional Otishi, ambos áreas legalmente protegidas.
“A represa de Paquitzapango está sendo planejada sem o diálogo entre o governo peruano e as pessoas que seriam afetadas por esses projetos,” afirma Ruth Buendia Mestoquiari, líder indígena Ashaninka. “O Rio Ene é a alma de nossas terras, o rio que alimenta nossas florestas, animais, plantas, plantações e, especialmente, nossos filhos.”
A Hidrelétrica de Inambari no rio Madre de Dios provavelmente seria construída também no âmbito do acordo bilateral assinado ontem pelos presidentes Lula e Garcia. Inambari inundaria mais de 46.000 hectares, deixando mais de 15.000 pessoas sem terras agricultáveis. O projeto também inundaria trechos da rodovia Interoceânica, para a qual os peruanos já pagaram um preço altíssimo.
“O Peru não precisa dessas represas, temos um potencial de cerca de 50.000 MW de energia de fontes renováveis, como eólica, solar e geotermal, sem precisar de grandes represas nas planicies da Amazônia. Esse acordo somente beneficiaria o Brasil, e não vamos deixar isso acontecer,” afirmou o engenheiro Alfredo Novoa Pena, fundador da organização ambiental peruana Pro-Naturaleza.
Apesar do acordo já ter sido assinado pelos presidentes, é provável que sofrerá obstáculos legais no Peru. “Como este acordo implica no estabelecimento de mudanças no arcabouço legal para a construção de hidroelétricas em terras peruanas, ele deve ser revisado pelo Congresso Nacional antes de ser aprovado,” observa Cesar Gamboa, advogado da ONG Direitos Ambientais e Recursos Naturais (DAR).
O acordo também foi recebido com preocupação no Brasil. “Os resultados desse acordo vão afetar de forma irreversível o bioma na Amazônia peruana, e a energia que será produzida atenderá aos interesses de empresas minero-metalúrgicas internacionais que estão, em ritmo cada vez maior, se instalando na região amazônica continental. Essa energia não vai ser direcionada para as necessidades da população peruana, nem tampouco à população brasileira,” afirmou o Professor Célio Bermann, Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo.
O acordo não prevê provisões para o bem-estar das comunidades afetadas pelos projetos, seus direitos e participação nos benefícios dos projetos.
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