A reportagem é de Darío Aranda e está publicada no jornal argentino Página/12, 14-06-2010. A tradução é do Cepat.
Pela primeira vez no Chaco, a Justiça proibiu o uso de agrotóxicos nas proximidades de um bairro e, um fato inédito, também protegeu os cursos de água. A sentença leva em conta o princípio da precaução (diante da possibilidade de prejuízo ambiental irremediável, é necessário tomar medidas protetoras) e ordena os produtores a apresentarem um estudo de impacto ambiental. A medida é a resposta a uma demanda cautelar apresentada por moradores de La Leonesa e Las Palmas (localidades situadas a 60 quilômetros de Resistencia) contra as fumigações de arroz. Entre os produtos proibidos figuram o endosulfan e o glifosato, pilares do modelo do agronegócio.
O bairro La Ralera está situado na zona sul de La Leonesa, limítrofe a campos de arroz. Há cerca de oito anos, os vizinhos denunciam o aumento dos casos de câncer, das intoxicações e da contaminação da água, em consequência do uso dos agrotóxicos. Nos últimos três anos apresentaram ao menos 50 notas a diferentes funcionários e nunca tiveram resposta.
“No bairro não crescem frutas, verduras e hortaliças. Os pés de laranja e os limoeiros secam, assim como os paraísos e outras árvores. Mas, o mais importante: os moradores adoecem frequentemente de patologias recorrentes e repetidas”, advertia em novembro de 2008, em um documento público, a ONG Centro Nelson Mandela de Estudos e Pesquisa Social. Também denunciava o perigo das comunidades indígenas e famílias crioulas próximas às plantações de arroz. “É mais que certo que as chuvas de agrotóxicos continuem e comecem a se manifestar as doenças associadas à atividade”, avisava.
Em janeiro último, os moradores apresentaram um recurso de amparo e uma medida cautelar contra as produtoras de arroz San Carlos e Cancha Larga, os municípios de La Leonesa e Las Palmas, os governos provincial e federal. Solicitaram a interrupção das fumigações, que os campos de arroz parem de aumentar, que se considere a relocalização dos arrozais e se protejam as fontes de água.
O Juizado Civil e Comercial Nº 14 de Resistencia, a cargo de Héctor Edgardo García Redondo, recebeu a medida cautelar e proibiu as fumigações a menos de mil metros das casas (se as pulverizações forem feitas via terrestre) e dois mil metros se forem aéreas. Nunca uma sentença havia estendido tanto o limite para as fumigações e, um fato sem precedentes, além disso proibiu as fumigações nas proximidades de cursos de água. Também protege as escolas Nº 17 e Nº 68, que costumavam ver as avionetas passar a poucos metros.
“Cabe ressaltar que o princípio da precaução indica que todo dano à saúde ou ao meio ambiente deve ser evitado ou minimizado através de medidas de caráter preventivo. E a realização de certas atividades ou o emprego de determinadas tecnologias, cujas consequências para as pessoas ou ao meio ambiente sejam incertas mas potencialmente graves, devem ser restringidas até que dita incerteza seja solucionada”, fundamenta a sentença, que proíbe o uso de glifosato, endosulfan, metamidofos, picloran e clopirifos, entre outros.
Este jornal se comunicou com o escritório responsável pelas duas arrozeiras, Eduardo Meichtry, mas não obteve resposta à consulta.
“É uma medida muito importante porque é a primeira vez que no Chaco se freia os agrotóxicos. E pode ser um antecedente importante para muitas outras comunidades da Província que sofrem os mesmos problemas que La Leonesa e Las Palmas”, explicou a assessora legal da Rede de Saúde Popular, Alejandra Gómez, que acompanha os moradores em suas ações.
A sentença, proferida no dia 29 de abril, exige um estudo de impacto ambiental em 90 dias, solicita ao Ministério da Produção um “relatório detalhado” das aplicações aéreas e terrestres, transporte, armazenamento e fracionamento de inseticidads e agrotóxicos das arrozeiras denunciadas, requer que a Administração Provincial da Água (APA) dê conta das análises já realizadas na zona e ordena a realização de “um estudo estratégico e acumulativo” sobre inseticidas, agrotóxicos e derivados nos cursos de água de Las Pampas e La Leonesa.
Também ordena que o Ministério da Saúde de Chaco realize controles médicos a cada 60 dias na população próxima das arrozeiras até que se resolva o amparo, e solicita aos municípios que entreguem, em 15 dias, um “relatório detalhado” das medidas adotadas no tratamento de resíduos poluentes dos produtores.
A causa se encontra no Superior Tribunal de Justiça a espera que se resolva a questão da competência. Não há data possível para a resolução.
Elio Servín mora há 50 anos na zona. É professor, pai de dois filhos e irmão de um jovem de 30 anos que morreu de leucemia. “Primeiro nos demos conta de que a água vinha turva e com mau gosto. Depois começaram as alergias e mais tarde doenças. Há cerca de dois anos nos reunimos e fizemos denúncias, mas nunca os políticos nos trouxeram o registro”, recorda e pensa a futuro: “Agora a Justiça começa a nos dar razão; mas, falta muito, porque atrás de tudo estão os peixes gordos, os verdadeiros responsáveis pelas mortes, empresas e políticos que não mostram a cara”.
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