O reconhecimento do grupo como quilombolas da Mumbuca é conseqüência de um longo processo de reivindicação de direitos estabelecidos pela Constituição. O direito dos quilombolas ao território foi impedido pela criação da Reserva Biológica (Rebio) da Mata Escura, que disputa 74% de seu território. Frente a esse grave desafio, o grupo quilombola reconhece a grande importância da preservação do meio ambiente e articula a disputa pela propriedade do seu território, como defesa contra a ameaça de expropriação definitiva pela Reserva Biológica. A Rebio Mata Escura foi implementada como compensação ambiental no processo de negociação da instalação da Usina Hidrelétrica de Itapebi, no baixo Jequitinhonha, à jusante de Mumbuca. Todas as decisões sobre sua criação desconsideraram a presença dos quilombolas em parte do território pleiteado para a formação da Rebio, e agora acossam o grupo com regulamentações unilaterais severas quanto ao manejo da terra no entorno da Reserva.
A história do território da comunidade de Mumbuca se inicia com a compra da terra por um negro – em meados do século XIX – de nome José Cláudio Bispo de Souza, junto com sua família, cumprindo todas as exigências de pagamentos de impostos para sua regularização. Desde então, os descendentes de José Cláudio mantêm-se como uma coletividade camponesa. Hoje em dia contam com 88 famílias – já cadastradas pelo INCRA. Ao longo de um século e meio, a luta pela preservação do modo de vida camponês tem sido tensa e complicada, evidenciando uma imensa dificuldade de manutenção dos limites originais do seu território, além do preconceito oriundo da diferença étnica entre eles e parte da população regional. Atualmente, mais de 24 fazendas de não-mumbuqueiros estão estabelecidas dentro do território quilombola, o que equivale a 80% do território original. Em sua grande maioria, essas fazendas se constituíram por meio de compras irregulares e violentas, as quais os quilombolas definem como “enroladas”.
Além dos problemas de expropriação vivenciados com os fazendeiros, a ameaça territorial agora é relativa à criação da Reserva Biológica (Rebio) da Mata Escura. A ausência de uma decisão fundamentada em um levantamento fundiário cuidadoso, acompanhado de um estudo do impacto social dessa medida se fez sentir.
Além disso, mais recentemente, e de um modo nada esclarecido para a comunidade em questão, a responsabilidade pela Rebio foi transferida do IBAMA para o Instituto Chico Mendes (ICMBIO), cujos representantes não investiram esforços para informar, negociar e propor diálogo com os quilombolas, tal como o IBAMA vinha fazendo. Os quilombolas relatam que, nas vezes em que membros do ICMBIO estiveram por lá, o clima foi de tensão, desinformação, inibição e conflito com os moradores.
Em 2007 o ICMBIO enviou um ofício à Advocacia Geral da União (AGU) solicitando sua intervenção no processo, por meio da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), órgão da Consultoria Geral da União, cujo objetivo institucional seria evitar litígios entre órgãos e entidades da administração Federal (no caso ICMBIO representando a Rebio Mata Escura e INCRA, representando o interesse dos quilombolas). Esse deslocamento das negociações para a CCAF causou mais um grande impacto negativo para a comunidade interessada que é, nesse novo âmbito, impedida de participar das reuniões de negociação. As reuniões de conciliação são restritas aos órgãos da Administração Pública Federal, Estadual e Distrital, bem como entidades federais, o que centraliza o processo entre INCRA e ICMBIO e exclui a representação direta da comunidade por suas lideranças. Até hoje mantém-se a exclusão da presença dos quilombolas de qualquer processo de conciliação.
Exposto tudo isso, informamos e solicitamos apoio para divulgação da atual situação dos quilombolas de Mumbuca que excede em desinformação, desesperança, tensão, forte angústia e insegurança quanto à reconquista do seu território e ao reconhecimento de seus direitos previstos na Constituição. De modo suscinto, listamos alguns problemas patentes que impedem a autodeterminação da vida dos mumbuqueiros:
1) Escassez de terras produtivas devido às regulamentações ambientais;
2) Insegurança alimentar oriunda das restrições de áreas para cultivo e desgaste das áreas existentes para produção;
3) Abusos de poder da parte dos órgãos ambientais responsáveis por fazer a proteção da área sob jurisdição da Rebio e seu entorno;
4) Falta de assistência e informação de órgãos como a Emater, INCRA e ICMBIO quanto às possibilidades alternativas de se poder produzir nas áreas que ainda restam à população enquanto não há a titulação do território quilombola, bem como do encaminhamento do processo de conciliação envolvendo INCRA e ICMBIO;
5) Falta de infra-estrutura, como coleta de lixo, saneamento básico e transporte;
6) Falta de infra-estrutura de saúde e educação de qualidade que atendam às demandas da população e que sejam sensíveis às especificidades próprias ao modo de vida dos quilombolas de Mumbuca.
Esta situação precária permanece. Enfatizamos a urgência para que sejam tomadas as providências cabíveis e a inclusão dos quilombolas de Mumbuca nas negociações com as instituições federais, ICMBIO e INCRA no que diz respeito ao destino do seu território.
Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais (NuQ/UFMG)
Belo Horizonte, 11 de junho de 2010