Às vésperas do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) questionando o decreto que estabelece procedimentos para titulação de terras quilombolas, representantes das Nações Unidas (ONU), da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e dos remanescentes de quilombos reforçam pedidos para a realização de audiências públicas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, vota a questão este mês.
Criado para regulamentar o Artigo 68 da Constituição, que garante aos quilombolas a regularização de uma ocupação territorial histórica, o Decreto nº 4887 é contestado pelo Democratas (DEM), que também é contra as cotas raciais. O partido questiona o critério de autodeclaração para identificar os remanescentes e quer que a regulamentação do artigo passe pelo Congresso Nacional.
Desde 2004, quando o DEM levou a questão ao Supremo, foram enviados à Corte mais de 20 pedidos de audiência pública por associações de produtores rurais, ativistas de direitos humanos e universidades. Até agora, no entanto, não foi realizada nenhuma reunião pública, como ocorreu para discutir ações afirmativas, células-tronco e anencefalia.
A relatora especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada, Raquel Rolnik, afirma que as audiências são um espaço para que todos os envolvidos na questão apresentem seus argumentos, inclusive as consequências da derrubada do decreto.
“Essas comunidades estão extremamente vulneráveis a despejos forçados, sobretudo por proprietários de terras, empresas de mineração e por grandes projetos de infraestrutura. Sem o reconhecimento do Estado, podem ser expulsas de suas terras sem nenhuma compensação, piorando suas condições de vida”, alerta.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável por titular a área ocupada pelos remanescentes, avalia que sem o decreto, os 60 títulos (coletivos e inalienáveis, expedidos em nome de uma comunidade – conforme determina o documento) emitidos desde 2003 podem cair, prejudicando cerca de 80 famílias e deixando o processo de regularização de cerca de 15 mil famílias sem regras de aplicação.
“Com a derrubada do decreto, toda essa sistemática de estudos de identificação, delimitação, demarcação, indenização e titulação – um processo lento – deixa de existir. Há uma perda para as comunidades e para o Estado, que está adaptando suas instituições a essa realidade”, explicou o coordenador do Grupo de Trabalho de Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Ricardo Cid.
O Incra também lembra que o documento é o principal instrumento de defesa do governo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, onde tramita ação por violação de direitos dos quilombolas. Sem o decreto, a avaliação é de que o Brasil pode ter a situação comprometida.
“Não reivindicamos qualquer terra. Queremos o nosso território que a nossa ancestralidade garantiu com luta, um espaço de resistência, de reprodução cultural, social e econômica. É um lugar sem o qual a comunidade quilombola não existe”, completou o representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Ronaldo Santos.
Procurado, o advogado do partido Democratas não retornou as ligações da Agência Brasil.
Edição: Lílian Beraldo
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