Por Bruna Bernacchio
Dez dias após a denúncia (em 28/8) de que dezenas de índios yanomamis teriam sido massacrados na Venezuela por garimpeiros brasileiros, na região fronteiriça entre os dois países, tudo permanece obscuro. Na terça-feira, o general Zambrano, do exército venezuelano, garantiu que oficiais sob seu comando haviam contatado as comunidades indígenas do município Alto Orinoco, área onde teria ocorrido a chacina. Nada teriam constatado de anormal (“o que havia eram crianças brincando e fazendo suas atividades”).
Horas depois, porém, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiam), que fizera a denúncia, considerou a investigação insuficiente. As buscas oficiais – pontuou a Coiam, em novo comunicado, não haviam chegado na comunidade de Irotatheri – exatamente a que teria sofrido o ataque devastador. Teriam atingido apenas as comunidades vizinhas. Embora reconhecendo “os esforços das instituições do Estado venezuelano e do governo nacional”, a entidade pediu que as investigações prossigam.
O acesso a Irothatheri parece muito difícil. À reportagem da BCC Brasil, Romel Guzama, coordenador geral de outra organização venezuelana – a Confederação Indígena Bolivariana do Amazonas – explicou o trajeto. “Primeiro deve-se ir até Momoi de helicóptero e são então necessários entre três e cinco dias caminhando pela selva até se chegar na região da fronteira com o Brasil”. José Angel Divassón Cilveti, bispo de Puerto Ayacucho, disse que “nesta região só se chega de helicóptero ou caminhando. Mas sobrevoando não se enxerga muito, já que as árvores cobrem tudo”.
Denúncia com testemunhas
Segundo a denúncia originalmente difundida, a oca foi atacada em alguma data de julho, a tiros e explosivos, que partiram de helicópteros identificados como sendo brasileiros. Em seguida, ateou-se fogo. As informações teriam sido obtidas a partir de depoimentos de três sobreviventes, prestados a membros da organização indígena Horonami e a autoridades de uma brigada do exército venezuelano. Os três depoentes estariam na floresta, no momento do ataque a sua habitação coletiva. Os fatos teriam sido confirmados por testemunhas, que teriam circulado pela região de “Parima B” entre os dias 15 e 20 de agosto.
A denúncia vai além do possível massacre em Irothatheri. Há mais de quatro anos, garimpeiros atraídos pela elevação dos preços internacionais do outro estariam invadindo o território yanomami no lado venezuelano da fronteira. O alerta teria sido transmitido a diversos órgãos do Estado venezuelano. Incluiria relatos de “violência física, ameaças, abuso de mulheres e contaminação da água por mercúrio, que já causaram mortes”; bem como a não tomada de medidas de controle e vigilância por parte dos agentes públicos.
Passado se repetindo?
Os últimos acontecimentos fazem lembrar um caso semelhante, ocorrido há vinte anos. Em 1993, em episódio conhecido como Massacre do Haximu, dezesseis yanomamis foram trucidados por garimpeiros, levando ao quase extermínio da comunidade que deu nome à chacina.
Mas o conflito remonta a tempos anteriores. Calcula-se que em meados dos anos 1980, garimpeiros que invadiram terras de Roraima de forma predatória dizimaram 15% da população yanomami. Após o ocorrido em Haximu, houve significativa mobilização da sociedade. Ainda em 1993, o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi/ISA), produziu um vídeo sobre o massacre, dirigido por Aurélio Michiles, e intituladoDavi contra Golias [vide abaixo]. Nele, o líder Yanomami Davi Kopenawa relata como aconteceu o extermínio e exibe uma foto em que sobreviventes carregam cabaças e cestos de palha, contendo as cinzas dos mortos.
A notícia espalhou-se e ativistas promoveram manifestações em todo o mundo, pedindo a punição dos culpados. Os garimpeiros foram julgados e condenados em 1996, e ainda, em decisão inédita de 2000, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) caracterizou o massacre como genocídio, ou seja, um crime característico contra todo um grupo.
Etnia isolada, verdade escondida
Por que, afinal, no caso denunciado agora, a comitiva do governo venezuelano não sobrevoou a oca apontada? E por que não foi gravado nenhum depoimento, nem se fez fotografia ou foram coletadas provas concretas — apenas anunciou-se uma informação rasa? O general Zambrano declarou à Agência Routers que uma investigação mais completa “seria extremamente difícil de ser realizada”, pela disposição geográfica em que a comunidade se encontra e por pouco se conhecer dos hábitos de seus habitantes e das localizações por onde circulam.
Ainda que árduo, esclarecer os fatos não é impossível. Marcos Wesley, do Instituto Sócio-Ambiental (ISA), assegura que o governo brasileiro já se ofereceu para ajudar na investigação. Ele avalia que todas as informações surgidas até agora são “de segunda mão, desencontradas e incompletas”. Reivindica a presença, nas buscas, de “representantes das organizações que qualifiquem a investigação”.
Para não permitir que pairem dúvidas sobre denúncia tão relevante, o ISA iniciou uma campanha de mobilização pela internet. Circula petição que pede investigação completa dos fatos. Para apoiá-la – bem como exigir que autoridades brasileiras e venezuelanas impeçam as invasões de território yanomami por garimpeiros – é possível assinar aqui.
http://rede.outraspalavras.net/pontodecultura/2012/09/08/em-busca-da-verdade-sobre-os-yanomamis/