A definição de cor/’raça’ do IBGE, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

Prof. José Eustáquio Diniz Alves
Prof. José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] Já ouvi várias pessoas e pesquisadores dizendo que o Brasil nunca teve um presidente negro, mesmo sendo grande a presença de pessoas negras no conjunto da população do país. Mas outro dia um aluno me perguntou: o Lula não é um presidente negro?

Bem, para responder a esta pergunta precisamos saber o que é considerado “negro” no Brasil. A maioria dos pesquisadores brasileiros constróem a classificação de negro com base nos dados de cor da pele pesquisados pelo IBGE. O negro seria a soma das pessoas que se auto declaram “pardas” e “pretas”.

Não se trata, portanto, de uma classificação biológica ou física com base no genótipo. Pardos e pretos são categorias de classificação da cor da pele tomadas a partir da auto identificação da pessoa que responde a pergunta do IBGE. Assim, um entrevistador pode achar que a cor da pele de uma pessoa é preta, mas o próprio entrevistado pode se achar da cor parda ou branca.

É o que aconteceu a pouco tempo atrás com o jogador Ronaldo que se declarou da cor branca, enquanto o seus pais disseram que ele era pardo. Evidentemente, pode ser mais uma dificuldade que o “fenômeno” tem em distinguir “cores” e “formas”, mas a auto declaração de cor da pele reflete o sentimento e o desejo da pessoa no momento da entrevista e, se ele se diz branco, é como branco que ele deve ser classificado. Recentemente, questionado, no meio de uma conversa, se já foi vítima de preconceito racial, Neymar – o jovem jogador do Santos – respondeu, de bate pronto: “Nunca. Nem dentro, nem fora do campo. Até porque não sou preto, né?”

Na metodologia adotada pelo IBGE – onde em cada domicílio apenas uma pessoa responde por todos os moradores – valerá a “auto-declaração” da pessoa que está respondendo a pesquisa. Tomando o caso do Ronaldo: se fosse ele que respondesse a pesquisa ele iria dizer que era branco, mas se fosse o pai dele, classificaria o filho como pardo. Já Neymar, provavelmente, marcaria diretamente a opção de cor parda.

Uma dificuldade maior surge na definição das cores. O manual do recenseador do censo demográfico de 2000 do IBGEi não esclarece com muitos detalhes o que são as cores branca e preta, mas explica um pouco mais o que são as classificações amarela e indígena e diz que os pardos são aqueles que tenham alguma miscigenação: mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça. Evidentemente, estas definições do manual do recenseador não simplificam as opções das pessoas, pois, mesmo existindo uma maior facilidade para definir os extremos das cores branca e preta, o “meio de campo” fica muito indefinido. Existem muitas pessoas pretas ou brancas que poderiam facilmente ser classificadas como sendo da cor parda. Um filho de índio que viva fora de seu aldeamento terá dificuldade para se definir enquanto índio ou pardo. Um descendente de asiático que tenha alguma miscigenação poderá se classificar com amarelo ou como pardo.

Chegamos, assim, na principal dificuldade existentes nos estudos de cor/raça, qual seja, definir a cor PARDA. Fica evidente pela definição do manual do recenseador do IBGE que pardo não é “marron”, “trigueiro”, “escurinho” ou uma outra tonalidade de cor entre o branco e o preto. Pardo, na definição do manual é uma mistura de cor, ou seja, é uma pessoa gerada a partir de alguma miscigenação, seja ela “mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça”ii.

Sem dúvida são pardos os filhos de indivíduos brancos (ou indígenas) com pretos – afro-descendentes. Mas também são pardos: o filho de uma pessoa branca com uma indígena, o filho de uma pessoa amarela com uma indígena, o filho de uma pessoa branca com pessoa amarela, ou os filhos de pessoas pardas com as demais cores ou com indivíduos indígenas. Portanto, pardo são todas as pessoas mestiças nascidas de relacionamentos sexuais entre indivíduos de etnias diferentes.

Pelo exposto, percebe-se que é um erro se classificar como NEGROS todos os indivíduos que se auto declaram pardos. Existem muitos pardos no Brasil que são ameríndios-descendentes e outros que são asiático-descendentes. Portanto, existe uma parcela da população parda no Brasil que não tem qualquer ascendência africana.

Voltando à nossa pergunta original: Lula é um presidente negro?

Sem dúvida, o presidente Lula é mestiço – como somos quase todos nós, a maioria do povo brasileiro. Mas ele é um mameluco ou um cafuzo? Ou ele é filho de uma cabocla com mulato?

Qualquer que seja a resposta, não resta dúvidas que o presidente Lula é mestiço. Provavelmente deve ter se auto-declarado pardo para o IBGE. Assim, para todos os pesquisadores e estudiosos das questões “raciais” que adotam a definição de NEGRO como a soma de “preto” e “pardo”, a resposta é inequívoca: o presidente Lula é negro e, para a surpresa de quem acredita que a elite de origem européia monopoliza o cargos máximos do país, o Brasil tem um presidente não-branco.

Certamente, toda esta longa digressão sobre a cor do presidente não vai alterar o fato de que o indivíduo Lula vai continuar sendo o que é, assim como o Brasil vai continuar sendo o mesmo. Mas, ao considerar a complexidade da questão, talvez a discussão de cor/raça fique um pouco menos maniqueísta e os pesquisadores olhem menos para os contrastes dicromáticos e mais para a diversidade de tons do arco-íris, que reflete melhor a riqueza da miscigenação brasileira.

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, expressa seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

http://www.ecodebate.com.br/2010/06/28/a-definicao-de-corraca-do-ibge-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

Comments (6)

  1. É isso aí, esse negócio de ficar inventando nome de raça só serve pra causar confusão na cabeça do povo. E causa dificuldades até para o IBGE classificar a população porque o próprio povo fica confuso na hora de responder.

    Eu tenho um avô grego por parte de mãe, e um bisavô índio na parte da família do meu pai, mas eles são minoria. A grande maioria das pessoa nos dois lados da minha família são negros. Então eu não vou fica dando bobeira de entrar nessa de nomes de raça inventado.

    Pardo não, eu sou é negão mesmo, e com orgulho.

  2. Até parece que o Brasil é o único país no mundo onde há miscigenação… Em outros países também há pessoas com ancestrais de duas ou mais etnias e, nesse caso, a pessoa se identifica com a etnia que foi a PREDOMINANTE EM SUA FAMÍLIA… Não com a intenção de desprezar alguns ancestrais, mas sim para construir uma identidade étnica, SEM ALIENAÇÕES.

    O ator Will Smith, por exemplo, tem ancestrais indígenas, mas se identifica como negro, pois a maioria de seus ancestrais são negros… Não creio que ele tenha a intenção de desprezar seus ancestrais indígenas… A intenção é assumir uma identidade étnica.

    Se tivesse nascido no Brasil, ele seria Moreninho, Pardo, Confuzo, ou qualquer outra denominação inventada pelo Brasil.

    Mesmo que no Brasil haja mais miscigenação, a grande maioria dos brasileiros sabe muito bem qual é a etnia predominante em sua família. Não há a necessidade de inventar nomes!

    Os filhos de “negro com branco” não têm uma aparência que os permita se passar por brancos. Mas também não aceitam ser incluídos na etnia negra (como afro-descendentes) por puro complexo.

    Mulato é negro sim… Negro miscigenado… É afro-descendente!!!

  3. Concordo plenamente com o q o Dr expos, o Brasil nao é apenas negros e brancos, e o IBGE quer classificar pardos como negros é um tremendo equivoco , se pelo conceito de forma ampla , pardo é a uniao de etnias ( indigenas, pretas, brancas)desta forma nao pode englobar como negro, por que de certo nao é.

  4. Eu sou afro-descendente… E na minha opinião, essa coisa de PARDO deveria ser excluída de qualquer pesquisa, pois é uma invenção do Brasil. Uma invenção que só tem servido para excluir da pesquisa os nativo-descendentes, e para causar confusão e desunião entre os afro-descendentes.

    Já chega de gente ‘sem cultura’ pensando que é correto se definir pelo tom de pele… Moreninho, café com leite, pardo, ou pior…mulato (definição que compara um ser humano a um animal, a mula).

    Nos países em que os cidadãos são mais cultos não existe essa palhaçada de pardo… Ou você é caucasiano, latino, oriental, nativo das Américas (índio), ou afro-descendente (incluíndo-se os imigrantes africanos, e incluíndo-se NEGROS PUROS OU MISCIGENADOS).

    As pessoas que acham correto se definir como pardo, só porque são filhos de negro com branco, na verdade não aceitam ser incluídas na etnia negra (afro)… E acabam preferindo ficar sem identidade étnica, pois “pardo” não é etnia!!!

    Não tenho nada contra os brancos… Mas tenho certeza de que, se os brasileiros que se dizem pardos fossem classificados como brancos, abririam um sorriso “de uma orelha a outra”.

    O BRASIL E SEUS COMPLEXADOS!!!

  5. A terminologia “cor preta” foi imposta pelo movimento negro. Pois, mesmo gerando entre os afro-descendentes menor índice de auto-atribuição e pertencimento ( mesmo nos que se assumem enquanto tal ) do que o termo “negro”,em função das pessoas associarem a terminologia exclusivamente à cor e não à identidade racial, ela permite o agrupamento com os pardos.

    Assim, numa tacada só se extingue toda a população nativa-descendente como denunciou o historiador José Murilo de Carvalho.

    Trata-se de uma manobra racista e infame do movimento negro oficial da SEPPIR em conluio com o IBGE afim de balizar as ações afirmativas raciais pró-negros

  6. Muito interessante seu artigo. Meu pai era caboclo/cafuzo. minha mãe italiana. Meu filho irá prestar vestibulinho para a ETEC SP, que tem cota para afro-descendente e considera assim aqueles que se declararem negros ou pardos. Mas ele tem a tez clara, os cabelos lisos e castanhos, o que criará certamente um impasse, embora possa comprovar com fotos de meu pai e meus avós a afro-descendência. Então, fica o impasse, a lei é para todos ou depende da interpretação subjetiva?

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