A Procuradoria Regional Federal da 3ª Região (PRF3) conseguiu a revogação da ordem liminar de reintegração de posse expedida pelo Juízo da 1.º Vara Federal em Ponta Porã (MS) contra os indígenas da Comunidade Kurusu Amba, da etnia Guarani. A decisão possibilita que os indígenas permaneçam na área de reserva legal da Fazenda Nossa Senhora Auxiliadora, localizada no município de Coronel Sapucaia. A PRF3 trabalhou com a colaboração da Procuradoria Federal no Estado de Mato Grosso do Sul (PF/MS) e da Procuradoria Federal Especializada junto à Fundação Nacional do Índio (PFE/Funai).
Os supostos proprietários da área haviam ingressado com a Ação de Reintegração de Posse contra o grupo indígena Guarani alegando que os índios passaram a ocupar parte de suas terras em novembro de 2009. Em audiência de justificação prévia, a Justiça de primeira instância deferiu liminar de reintegração de posse em favor dos fazendeiros, estabelecendo a retirada dos indígenas.
Diante do elevado risco social envolvido, a Procuradoria Federal no Estado de Mato Grosso do Sul, em colaboração com a Procuradoria Regional Federal da 3º Região, entrou com recurso de Agravo de Instrumento para reformar essa decisão. Os procuradores argumentaram que os indígenas estão ocupando apenas 10 hectares da fazenda, o que significa uma pequena parte do imóvel de 615 hectares.
A Procuradoria também argumentou que, caso não fosse suspensa e ao final revogada a ordem de reintegração, os indígenas teriam inúmeros direitos fundamentais violados, entre os quais, o direito à vida, pois acabariam à margem de rodovia próxima, local totalmente inadequado para a moradia de qualquer ser humano. Ademais, as aldeias próximas estariam superlotadas e com severos problemas sociais, o que impossibilitaria o acolhimento dos atuais 128 indígenas que compõe a comunidade.
Julgamento
Após a obtenção de sucessivas liminares, suspendendo a ordem de reintegração, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, resolveu “revogar a ordem de reintegração, mantendo os indígenas na posse da área presentemente ocupada, impondo à Funai a responsabilidade pela manutenção do estado atual da ocupação, bem como responsável quanto aos atos da comunidade e seus membros, devendo assegurar o regular acesso e uso da propriedade”.
No voto, a relatora Sílvia Rocha pontuou os direitos fundamentais de ambos os lados: “de um lado, o direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF) e, do outro, o direito originário dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam (art. 231 da CF)”, mas fez prevalecer os direitos indígenas, diante das “condições extremamente precárias de sobrevivência a que estão expostos os índios, principalmente as crianças. Expulsos de suas terras ancestrais, vivem à beira da Rodovia MS 289 que liga Amambaí a Coronel Sapucaia, sem condições de desenvolver sua agricultura de subsistência, estando desprovidos de alimentos, água potável, assistência médica e educacional. Em outras palavras, vivem sem a mínima infra-estrutura básica, em barracas de lona junto à estrada, sujeitando-se à toda sorte de atos de violência e ao descaso do Poder Público”, argumentou.
Os demais membros da Turma acompanharam o entendimento da relatora. O desembargador federal Johonsom Di Salvo, em longo pronunciamento, destacou que os indígenas foram historicamente espoliados de suas terras e que a garantia das terras indígenas pelo Estado brasileiro não é caridade, mas direito previsto na Constituição Federal que deve ser observado pelos três Poderes. Por sua vez, a desembargadora federal Vesna Kolmar, além de ratificar as falas anteriores, relembrou que não era a primeira vez que o Tribunal revogava ordens de reintegração de posse deferidas contra indígenas, o que demonstra certa insensibilidade de alguns juízes de primeira instância em lidar com o tema.
A PRF3, a PF/MS e a PFE/Funai são unidades da Procuradoria-Geral Federal, órgão da Advocacia-Geral da União (AGU).
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