Afirmação se deu durante encontro Macro-Regional dos Regionais Sul e Mato Grosso do Sul do Cimi, realizado em Laranjeira do Sul, Paraná
Que empreendimentos impactam as terras indígenas no Mato Grosso do Sul e região Sul do país? Na Argentina e Paraguai, os povos indígenas, de modo especial os Guarani, também são afetados por obras de infraestrutura propostas pelo Estado? Foram sobre essas questões que missionários e indígenas dos Regionais Sul e Mato Grosso do Sul do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) refletiram durante Encontro Macro-Regional, realizado entre 27 e 28 de julho, na cidade de Laranjeira do Sul, no Paraná. Também participaram das discussões representantes da Coordenação Nacional de Pastoral Indígena do Paraguai (Conapi) e da Equipe Nacional de Pastoral Indígena da Argentina (Endepa).
O encontro surge como parte de um debate mais amplo realizado pelo Cimi, quando durante o Encontro Nacional dos Povos Indígenas em Defesa da Terra e da Vida, realizado em abril deste ano, indígenas e missionários da entidade realizaram um levantamento sobre empreendimentos propostos pelo governo federal que impactam comunidades indígenas. O levantamento ainda tem por objetivo identificar cada um desses empreendimentos – se usinas, pequenas centrais hidrelétricas, estradas, rodovias, linhas de transmissão -, bem como saber quais os grupos de interesse e os principais beneficiários por trás de cada projeto.
Historicamente, esses grandes empreendimentos têm jogado os povos indígenas para as periferias dos grandes centros urbanos, lugares de risco, encostas e margem dos rios. Se antes, esses povos foram expulsos de suas terras para a construção de estradas e ferrovias, hoje são empurrados para fora de seus territórios tradicionais para a construção de hidrelétricas, usinas, projetos de mineração e exploração de recursos, ou até mesmo o agronegócio. O temor antes era de que se tornassem uma nação independente. Hoje, as riquezas naturais nos territórios indígenas fazem o capital, manipulado pelos interesses privado e governamental, passar por cima de leis e direitos dos povos originários.
Para Clóvis Brighenti, missionário do Cimi em Santa Catarina, essa é justamente a tática adotada pelo governo para não garantir às populações indígenas a posse de suas terras tradicionais. As poucas áreas preservadas, com recursos naturais e potencial econômico estão justamente nas terras indígenas. Grande parte das comunidades indígenas do país vive próxima às margens dos rios e em regiões menos favoráveis à prática da agricultura intensiva, como as matas. Justamente o local, de acordo com Clóvis, em que esses empreendimentos estão chegando agora.
No sul do país, por exemplo, e também em Mato Grosso do Sul, diversas comunidades do povo Guarani – Mbya, Ñandeva e Kaiowá, foram expulsas de suas terras e hoje vivem acampadas à beira de rodovias estaduais. Enquanto essas famílias aguardam pela demarcação de suas terras, o governo abre caminho para a expansão do agronegócio e dos projetos de desenvolvimento na região. Os povos do sul são diretamente ameaçados pela construção de hidrelétricas e pequenas centrais hidrelétricas, bem como a construção de estradas, portos, linhas de transmissão e ferrovias. Já os do MS, onde a terra é mais plana, os indígenas estão sendo mais atingidos pelo agronegócio e avanço das usinas produtoras de álcool e etanol.
Realidade semelhante
De acordo com relatos de representantes da Conapi e Endepa, a situação vivida pelos indígenas do Paraguai e Argentina é muito semelhante à vivida pelos indígenas do Brasil. Nesses países, os governos também têm optado por projetos de desenvolvimento e integração nacional e não levam em conta a diversidade cultural e social. Mais uma vez, os territórios mais atingidos são os que pertencem aos povos indígenas, onde ainda se encontram recursos naturais.
Embora o Paraguai não enfrente de forma tão violenta os impactos das hidrelétricas, pois no país existem até o momento somente duas – uma delas a Itaipu, construída conjuntamente com o Brasil – ainda hoje os indígenas aguardam a indenização por terem sidos retirados de suas casas quando da construção da obra. São cerca de 32 comunidades indígenas impactadas. Na Argentina, os problemas giram em torno da plantação de pinos e eucaliptos para a produção de celulose, além da mineração que está em fase de ampliação no país.
Desafios
Para Clóvis, o maior desafio no enfrentamento a esses projetos é justamente conhecer mais profundamente esses empreendimentos para a partir daí levar essas discussões às comunidades indígenas e à sociedade, gerando assim mobilização de todos contra essas obras. “A importância da presença dos amigos da Argentina e do Paraguai, se dá justamente nesse sentindo, porque é preciso trabalhar essas questões em um contexto continental. Os povos indígenas do continente sul-americano, de uma maneira geral, são vítimas dessas investidas do Estado. Por isso, esse encontro é um momento gerador de conhecimento e construção de estratégias que fortalecerão as comunidades para a luta contra esses projetos”, pontuou o missionário.
Nesse sentido, as contribuições de indígenas Guarani, vindos de São Paulo e do MS, foram importantes. Os dois são membros do Conselho Continental Guarani, criado em novembro do ano passado durante o III Encontro Continental do Povo Guarani, realizado em Assunção, no Paraguai. Desde lá, esse grupo tem articulado discussões sobre temáticas comuns às comunidades do povo que vivem no Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai. Durante o encontro, eles partilharam a realidade de suas comunidades, suas principais reivindicações, enfrentamentos e dificuldades quanto á demarcação de suas terras.
A partir do relato, foi possível perceber e reafirmar qual a relação dos povos indígenas com o meio ambiente, com o espaço em que vivem. Para eles, esse espaço é local de equilíbrio, convivência harmoniosa com a água, plantas, animais, terra. Os grandes projetos, na contramão desse estilo de vida, olham o espaço somente sob o mote da geração de lucro, não importando a existência de pessoas e a diversidade nesses ambientes. “Na lógica dos grandes empresários, do governo e de todos os envolvidos na realização desses empreendimentos, é possível mitigar os danos causados, criar condicionantes, indenizações e reparos aos danos causados. Para os povos indígenas e os que defendem o Bem Viver destes povos não”, afirmou Clóvis.
Encaminhamentos
É preciso conhecer mais profundamente todos esses projetos de desenvolvimento. No Brasil, esmiuçar os propostos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No continente, se informar sobre a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que pretende integrar por meio da infraestrutura de transporte, energia e comunicações países do continente sul-americano. Para tal integração, comunidades serão novamente expulsas para a construção de estradas, portos, pontes e gasodutos, entre outros.
Para Egon Heck, missionário do Cimi no MS, a iniciativa ainda é importante, pois ao juntar o povo e discutir em conjunto temáticas de seu dia-a-dia e questões que envolvem diretamente suas comunidades, estes poderão enfrentar tais situações. “É preciso apoiar as iniciativas desses povos e refletir em conjunto sobre essas questões. Assim, eles serão protagonistas de sua própria história e lutarão conscientemente contra os projetos que ameaçam e violam seus direitos”, disse.
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