Resposta da perita judiciária Inês Rosa Bueno à Globo, sobre os Xavante

O texto da reportagem da Globo está publicado abaixo da resposta. TP.

“MT: conflito de terras gera conflitos entre índios e moradores”

Sobre a reportagem acima, que foi colocada no ar em 09/07/2011, em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que fui perita do JUIZ neste processo, entregando em abril de 2006 laudo amplamente documentado de perícia antropológica. Em segundo lugar, gostaria de deixar registrado meu protesto sobre a irresponsabilidade da divulgação de dados inverdadeiros, sem qualquer confirmação, que foram lançados no ar, como se qualquer informação pudesse ser colocada no ar por uma emissora do porte e responsabilidade da Rede Globo.

Para citar apenas alguns fatos mais chocantes divulgados pela emissora, não existem moradores há quarenta e oito anos na área homologada de Maraiwatsede. A área onde havia moradores há  mais tempo foi cedida pelos próprios Xavante aos moradores mais antigos, embora haja ali até hoje alguns cemitérios da comunidade. Portanto, a área identificada para eles em 1992 foi reduzida de mais de duzentos mil hectares para os atuais cento e sessenta e cinco mil homologados, em benefício da sede da Fazenda Suiá Missu, de propriedade de multinacional italiana, e dos posseiros que haviam ocupado as terras depois que os Xavante foram retirados dali em 1966, contra a sua própria vontade.

Enquanto a área homologada esteve sobre controle de uma multinacional italiana, não houve qualquer reivindicação de invasores em relação à área. Depois que foi identificada uma parcela dessa área para os índios, que lutaram décadas para voltar a suas terras, e não apenas a partir de 2003, como afirma a notícia, em 1992, governador de estado, gerência da empresa e políticos locais promoveram uma invasão, anunciada por rádio, trazendo gente até de outros estados, e reservando diversas áreas para a própria empresa  e grandes latifundiários da região, que inclusive fizeram loteamentos ilegais dentro da área, enquanto cometeram também um desmatamento ilegal que transformou Maraiwatsede na área indígena mais desmatada do Brasil.

Tudo isso ocorreu em 1992 e até agora a Justiça Brasileira não foi capaz de fazer a reintegração de posse, motivo pelo qual os Xavante já se sentem desesperados a ponto de querer invadir suas próprias terras. Portanto, que fique bem claro: os Xavante sempre lutaram por suas terras, cederam a maior parte delas para outros, e o pequeno reduto que lhes restou foi invadido de má fé quando finalmente eles estavam a ponto de recuperá-las, depois de décadas de lutas por voltar ao lugar de onde foram retirados sem falar português, sem roupas e transportados em aviões de carga das FAB amarrados por um único cinto de segurança encostados contra a parede, para uma outra área onde índios em contato há mais tempo já morriam numa epidemia de sarampo, para que morressem também. E de fato um terço deles morreu em duas semanas, mas os sobreviventes, entre os quais o então menino, hoje cacique Damião, continuam lutando até hoje, por terras que a Constituição já então lhes garantia.

Esses grileiros invasores de má fé, entre os quais muitos são latifundiários com outras terras na região, é que serão tirados dali, segundo decisão dos desembargadores de novembro de 2010. Esses mesmos grileiros se recusaram a cadastramento com o INCRA e recusaram ser transferidos para outra fazenda, do outro lado da estrada, em 2008.

E não há ali três mil pessoas. Não há dados atualizados sobre o número de pessoas, mas os únicos dados oficiais disponíveis são os que foram levantados pela perícia fundiária, que em 2004 indicavam a presença de 798 indivíduos na área invadida e homologada, entre grandes latifundiários e posseiros colocados ali dentro de má fé por esses grandes latifundiários em 1992, durante comício transmitido por rádio local, gravado e fotografado. Inclusive, como meu laudo aponta, durante os anos imediatamente posteriores à invasão em 1992, em assembléia entre os grileiros, um deles se levantou e disse que iria embora com a família porque não queria ficar em terra indígena e foi assassinado ali mesmo, em plena assembléia, por quarenta tiros de metralhadora do exército, para servir de exemplo aos demais.

Também Dom Pedro Casaldáliga já foi alvo de tiro ali dentro, que atingiu um padre que caminhava a seu lado e morreu.

Então, chamo a Rede Globo à sua responsabilidade, solicitando uma reportagem das mesmas proporções e no mesmo horário, porém idônea, sobre os fatos que ocorrem em Maraiwatsede e a respeito dos quais aqui testemunho na condição de perita antropológica do Juiz Federal.

Atenciosamente,

Inês Rosa Bueno

————

A notícia veiculada pela Globo:

MT: Disputa de terra gera conflitos entre índios xavantes e moradores

Xavantes cobram cumprimento da decisão do Tribunal Regional Federal, que determinou saída dos ocupantes não índios da reserva em 2010.

A disputa pela terra pôs em lados opostos índios xavantes e moradores de uma região do nordeste de Mato Grosso. O motivo é a posse de uma reserva indígena, ocupada há 46 anos por agricultores e comerciantes. A Justiça Federal determinou que eles deixem o local, mas a ordem não foi cumprida. Os confrontos têm causado prejuízos e tensão na reserva.

Os xavantes atacaram fazendas localizadas dentro da área a ser desocupada, onde casas foram demolidas e incendiadas. Francisco Silva foi surpreendido com a chegada de 60 guerreiros, segundo ele.

“Tocaram fogo nas duas casas que tinha. Queimaram tudo de imediato. Chegaram com a gasolina dizendo ‘tirem os trens que vamos por fogo’. Me atacaram, me amarraram e me carregam por 600 metros nas costas”, contou Francisco.

Os xavantes cobram o cumprimento da decisão do Tribunal Regional Federal, que determinou em outubro de 2010 a saída da reserva de todos os ocupantes não índios.

“Se demorar muito, nós vamos invadir outra fazenda. Se sair guerra, é guerra. Nós vamos morrer por causa da terra”, afirmou o cacique Damião.

Dom Pedro Casaldaliga vive na região há 40 anos e disse que os xavantes foram retirados da área em 1966. Fotos mostram grupos indígenas embarcando em aviões da FAB, sendo levado para outra aldeia a 400 km do local, mas em 2003 eles decidiram voltar e encontraram a terra toda ocupada.

“É uma verdadeira devastação. Eles foram arrancados da terra e transportados pela FAB. Então, essa deportação foi oficial”, lembrou Dom Pedro

Funai, Incra e Polícia Federal elaboraram um plano para a retirada dos fazendeiros, que ainda vai ser avaliado pela Justiça. A reserva Maraiwatsede se estende pelos municípios de Alto Boa Vista e São Felix do Araguaia, ao nordeste de Mato Grosso e tem 165 mil hectares ocupados por centenas de fazendas e sítios.

Dentro da terra indígena também existe um povoado onde vivem quase três mil pessoas. Pela decisão judicial, todos deverão sair. No vilarejo há escolas, comércio, posto de combustível e silos de armazenagem de grãos.

“Tem uns R$ 10 milhões de investimentos. Beneficiamos mil sacos de arroz por dia”, conta a empresária Delcristiana Moresco.

O empresário Roberto Soares da Silva é dono de um posto de combustíveis e disse ter investido mais de R$ 800 mil. Os moradores não índios mostram as escrituras das áreas registradas até em cartório. “Eu gastei R$ 84 mil. Estou com 68 anos. Vou para onde?”, indagou um morador.

Para o Ministério Público Federal, esses documentos não têm valor. “Já se reconheceu que esta área foi, de fato, invadida. Estão todos cientes de que ali se tratava de uma área indígena”, explicou a procuradora da República, Débora Duprat.

O governo de Mato Grosso ofereceu para a Funai um parque estadual preservado para transferir os xavantes e manter os moradores na área. “Nós oferecemos essa área e vamos ajudar a montar a estrutura, como dissemos. Agora, a forma legal, a Funai e o Ministério da Justiça que resolva. Eles que criaram o problema na região”, afirmou o governado do Mato Grosso Silva Barbosa…

Mas os xavantes recusaram a oferta e rasgaram a lei que autorizou o governador a negociar a troca da área. O Ministério da Justiça reafirmou que o plano de desocupação está em fase final de elaboração. Depois de pronto, terá de ser apresentado à Justiça Federal.

(http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/07/mt-disputa-de-terra-gera-conflitos-entre-indios-xavantes-e-moradores.html)

Comments (1)

  1. Desafio dra ines a provar que nao existia posseiros de boa fe em suia missu a 48 anos atras.existiam sim e provo isso,desafi a tambem a mostrar tais cimiterios,nos que la vivemos os desconhecemos ,na area que injustamente esta em litigio graças ao racismo ambiental ali instalado pela funai.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.