Prefeitura de São Pedro da Aldeia organiza concurso para professores a partir de texto preconceituoso

“As infelizes cotas … servem magnificamente para alcançarmos este objetivo:  a  mediocrização também do ensino superior. Alunos que não conseguem raciocinar porque não lhes foi ensinado, numa educação de brincadeirinha. / E, porque não sabem ler nem escrever direito e com naturalidade, não conseguem expor em letra ou fala seu pensamento truncado e pobre. (…) / Além do mais, as bolsas por raça ou cor são altamente discriminatórias: ou teriam de ser dadas a filhos de imigrantes japoneses, alemães, italianos, que todos sofreram grandemente chegando aqui, e muitos continuam precisando de esforços inauditos para mandar um filho à universidade”.

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

O trecho acima faz parte do texto “Buscando a excelência”, escrito por Lya Luft e publicado na Veja no dia 26/09/2012. A parte e o todo poderiam ter ficado lá enterrados mas, lamentavelmente, foram ontem ressuscitados. E não foi a Veja ou qualquer outro veículo da mídia empresarial que os trouxe de volta, mas a Prefeitura de São Pedro da Aldeia, Rio de Janeiro, no concurso para professores de nível superior realizado ontem, 12 de outubro.

Se alguém pensa que ele foi proposto como uma provocação, a partir da qual esperar-se-ia que os futuros professores mostrassem sua capacidade crítica, dialogando em Português bem construído com as posições da autora, está redondamente iludido. Ele foi apresentado como texto de referência, a partir do qual candidatas e candidatos deveriam responder a dez questões de múltipla escolha. Para isso, novamente, foram escolhidas frases (algumas inclusive presentes na citação acima) que ratificavam as opiniões nele expressas, quer propostas para conferir se a pessoa havia entendido a mensagem, quer servindo como base para perguntas relativas a gramática.

A Prefeitura de São Pedro da Aldeia poderá argumentar que não foi ela que organizou a prova, mas o Instituto Nacional de Concurso Público (INCP), que assim se apresenta em seu site

“prestador de serviços técnicos, especializado em Concursos Públicos, é uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos, que oferece aos órgãos governamentais, sem tercerizar [sic] nenhum serviço, uma equipe técnica, altamente qualificada e totalmente informatizada , com equipamentos modernos , na organização e total execução de Concursos Públicos e processos seletivos para o provimento dos mais variados cargos ou empregos nos níveis de ensino elementar, fundamental, médio e superior”.

Convenhamos que esse argumento é inaceitável. Primeiro, porque seria questionável escolher, para organizar uma prova de Português, uma instituição que não “terceriza” nenhum serviço. Neste caso, ela devia urgentemente fazê-lo, começando pela contratação de um revisor. Segundo, porque cabe ao gestor público, caso terceirize alguma de suas funções (e mais ainda uma da importância da contratação de professores, nos diferentes níveis), responsabilizar-se por monitorar e aprovar o que está sendo feito com o dinheiro público.

Na situação em pauta, prefiro acreditar, aliás, que isso não tenha acontecido. Seria inaceitável que uma Prefeitura buscasse contratar, para dar aulas em suas escolas para uma população que dificilmente não será majoritariamente negra, professores que concordassem com esse tipo de visão de mundo.

Esse já me parece ser, aliás, um motivo de base para a anulação do concurso. Mas há outro: sei de pelo menos uma pessoa que se sentiu pessoalmente atingida pelo texto. “Se queriam desestabilizar, conseguiram”, escreveu ela. Acho que para isso não seria necessário inclusive ser negro/a. Apenas ter a capacidade de pensar e de se indignar.

A Prefeitura de São Pedro da Aldeia deve uma explicação a tod@s nós.

Abaixo, fotos da prova (texto e questões) e do texto do INCP acima citado. 

Prova Lya Luft 1

Prova Lya Luft 2

INCP

 

Comments (7)

  1. Fiz a prova e confesso que me senti envergonhada, humilhada, ultrajada e pior…Naquele momento não havia nada que eu pudesse fazer contra esta arbitrariedade, ainda tinha que reproduzir o pensamento reacionário da autora (já que era interpretação de texto). Sensação de fraqueza…E pior, quanto mais a gente luta, mais a gente se depara com imbecis tipo esse “negro bem resolvido” ali de cima…Aff!

  2. Deixo aqui a minha nota, quem até hoje não entende o objetivo das cotas, que é o de reparar distorções e injustiças cometidas por longos periódos de exclussão em processos sociais, ou de direitos que não foram devidamente respeitados, como os judeus do pós guerra. Não se trata de certo ou se eu sou melhor que isso e não preciso, são a metigação para melhoria e correção destes processos e comandos em momentos que causaram a essas pessoas injustiças. Se e complicado para os brancos que deram ao povo negro, muitas chicotadas para trabalhar de graça e dificil de entender, imagina para o negro sim SENHOR, que continua preso as correntes entender que ainda estamos restritos a poucos degraus da sociedade, e sermos 51,3% da população e sem representação em nenhum lugar!!!
    Moysés Mauro – Plan. Gest. Amb. Sust. “Não quero aparecer procuro resposta para isso”. Queremos aumentar as cotas 50%, eu preciso sim….

  3. O comentário foi postado pelo seu autor, Nilma, com nome, sobrenome e e-mail, como mandam as regras do blog.

  4. Estou com uma dúvida: O comentário do Sr. Paulo R Lima está postado nesta rede (´Racismo Ambiental´) ? ou está em outro site e foi copiado para esta lista?
    Sou mulher negra ; sei que temos sido ensinado (há séculos) a não gostar de negros (de nós mesmos) e se esse Sr. Paulo R Lima for mesmo negro, quem sabe, pode ser um ´transrracial´ – aqueles que fazem operação plástica para ´deixar de ser negros´, ou será que desconhece que o escravismo durou quase 400 anos e que imigrar é diferente de ser ´trazido à força´. Malcolm X disse: ´O maior crime que os brancos cometeram foi ensinar os negros a não se gostarem”. Sr. Paulo R (erre) políticas de ação afirmativas são absolutamente necessárias para apoiar a construção da democracia no Brasil (não só ´democracia racial´).

  5. Grotesca essa prova. Tomara que sejam tomadas as medidas cabíveis contra esse INCP.
    Mas é curioso perceber que ainda há capitães do mato no Brasil de hoje.

  6. Q coisa idiota essa argumentação
    Esta certíssimo o artigo.
    Sou negro e não quero cota nenhuma e tenho certeza q meus irmão negros(com muita honra) não concordam com isso
    Idiotas procurando aparecer usando os negros
    Seu blog é nojento e racista

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