Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Mais duas decisões de Maria Augusta Assirati foram hoje publicadas no Diário Oficial da União. A primeira, Portaria nº 1.153, datada de 30 de setembro de 2014, tem apenas um artigo, além do “esta portaria entra em vigor na data de sua publicação”. Nele, a ex-presidente interina prorroga “por dois anos, o prazo estabelecido no art. 1º da Portaria nº 1264, de 03 de outubro de 2012, publicada no Diário Oficial da União, de 04 de outubro de 2012, Seção 1, página 46. A segunda é, na verdade, um despacho ainda mais antigo, de 19 de setembro, através do qual ela aprova “as conclusões dos estudos de identificação e delimitação da Terra Indígena Xacriabá, de ocupação tradicional do povo indígena Xakriabá, localizada nos municípios Cônego Marinho, Itacarambi e São João das Missões, Estado de Minas Gerais, consubstanciadas no resumo do citado Relatório Circunstanciado”.
O resumo se inicia na página 30 do DOU e termina na 36. É um belo e detalhado estudo antropológico, que começa introduzindo os Xakriabá como resultantes de “uma cisão ocorrida entre grupos falantes de língua Jê, tronco Macro-Jê, durante a travessia do rio São Francisco”, há 3.000 anos, até chegar aos tempos atuais, às suas lutas e à relação nominal dos 383 ocupantes não-índios de seu território, calculado com 43.357 ha. O item final – VII. Conclusão e Dilimitação – tem um trecho particularmente interessante:
“Os estudos de natureza etno-histórica, antropológica, documental, ambiental, fundiária e cartográfica realizados para identificar as áreas de ocupação tradicional Xakriabá resultaram na superfície aproximada de 43.357 ha (quarenta e três mil, trezentos e cinquenta e sete hectares), que contempla, a Oeste, a área do Dizimeiro, incorporando os marcos históricos do Termo de Doação, do Alto da Boa Vista, no divisor de águas dos rios Itacarambi e Peruaçu ao Imbiriçu Ferrado, nas margens do Peruaçu, incorporando suas áreas inundáveis, de grande importância ambiental e de recursos para pesca, agricultura e coleta, além de uma importante área de “geraes”, com recursos de caça e extrativismo, incluindo as áreas habitadas por famílias indígenas na comunidade do Dizimeiro e arredores; ao Sul/Sudeste, incorpora as comunidades indígenas de Vargem Grande, Caraíbas e Poções, se estendo pela margem do Rio Peruaçu, até a região da Serra Geral, abrangendo importantes recursos de extrativismo, áreas agricultáveis, fontes de água, cavernas e cemitérios; a Leste incorpora ocupações de famílias indígenas nas regiões de Rancharia, São Bernardo, Remanso e Ilha do Capão, coincidindo com as terras de maior fertilidade da Depressão do São Francisco e de suas áreas inundáveis, matas ciliares do Rio São Francisco, onde exclusivamente ocorre a presença da Jurema (espécie vegetal com a qual se prepara a bebida de efeito psicoativo ingerida nos rituais sagrados do Toré) e que dá acesso aos recursos hídricos e pesqueiros do São Francisco, o único rio efetivamente perene da região; e ao Norte, seguindo pelo Rio Itacarambi, incorpora a comunidade indígena de Morro Vermelho e a região do Catito, de reconhecida ocupação indígena, abrangendo terras férteis das margens do Rio Itacarambi e suas matas ciliares, além dos seus hoje parcos recursos pesqueiros, áreas de caça e coleta da região do Morro Vermelho, cavernas e cemitérios”.
Embora já não possamos mais, pelo menos por enquanto, classificar o Velho Chico como “perene” a hipótese de que suas matas ciliares venham a ser protegidas pelos Xakriabá é uma notícia que pode nos dar um novo alento. E a hipótese da preservação da Jurema, aliada a isso, sem dúvida é motivo também para comemoração. Fora isso, com certeza todas as pessoas que conhecem, acompanham e/ou partilham da luta dos Xakriabá (e me orgulho de ter inclusive passado uma noite numa de suas retomadas) com certeza devem estar felizes com essa notícia, mesmo que (considerando as burocracias das avaliações das benfeitorias, os protestos etc), sua concretização não venha a ser imediata.
Mas e o tal artiguinho da Portaria? Esse já diz respeito a outra história. Ou melhor: à Portaria 1.264, de 3 de outubro de 2012, através da qual a então presidente da Funai, Marta Azevedo, protegia por dois anos a Terra Indígena Piripkura, situada nos municípios de Colniza e Rondolândia, em Mato Grosso, e onde vive em isolamento voluntário o Povo do mesmo nome.
Para facilitar, reproduzo aqui os artigos da Portaria original. Os links tanto para ela como para as demais informações vai a seguir.
Art. 1º Estabelecer restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da FUNAI, na área descrita nesta Portaria, pelo prazo de dois (02) anos a contar de sua publicação, nos seguintes termos:
I – Somente poderão ingressar, locomover-se e permanecer na área descrita nesta Portaria, por tempo determinado, pessoas autorizadas pela Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém Contatados – CGIIRC.
II – Para autorização prevista no item anterior, serão exigidas:
a) declaração de isenção de responsabilidade da FUNAI por danos físicos e materiais sofridos pelo(s) interessado(s);
b) declaração de responsabilidade por danos físicos e materiais causados direta ou indiretamente, pelo(s) interessado(s), a bens e pessoas da FUNAI, dos índios ocupantes e ao meio ambiente, da área objeto do perímetro descrito nesta Portaria;
Parágrafo Único: A restrição estabelecida nesta Portaria não se aplica às Forças Armadas e Policiais, no cumprimento de suas funções institucionais, cujo ingresso, locomoção e permanência na área aqui descrita, deverá ser sempre acompanhada por funcionários da FUNAI.
Art. 2º A critério da FUNAI, em função das condições ambientais, climáticas ou de acontecimentos relativos aos índios ocupantes da área descrita nesta Portaria, as autorizações a que se refere o artigo anterior poderão ser suspensas.
Art. 3º Vedar a exploração de qualquer recurso natural existente na área descrita nesta Portaria, durante a respectiva vigência.
Art. 4º Determinar que a proibição ora estabelecida seja fiscalizada pelas equipes da Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena/CGIIRC – FUNAI.
Art. 5° A área a que se refere esta Portaria, denominar-se-á, para fins de controle administrativo, TERRA INDÍGENA PIRIPKURA, localizada nos municípios de Colniza e Rondolândia, Estado do Mato Grosso, com superfície aproximada de 242.500 ha e perímetro aproximado de 284 km, com os seguintes limites: (…)
Aparentemente, os Piripkura e as riquezas existentes em seu Território estão relativamente protegidos por mais dois anos.
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Links:
Despacho de 17 de setembro de 2014, sobre os Xakriabá
É realmente uma ótima notícia. Não é suficiente e neste governo isso não quer dizer muito pois o Ministro da injustiça, pode simplesmente sentar em cima e não dar prosseguimento ao processo.
Mas é impressionante o fato de que o relatório da terra Munduruku continue sem ter sido demarcado, tudo por que um empreendimento elétrico pretende destruir aquela região.
Cláudio Teixeria