“O sistema econômico moderno aparece assim como uma espécie de prisão, uma servidão a qual ninguém consegue escapar”, assevera o sociólogo.
IHU – A expressão alemã stahlhartes Gehäuse, traduzida como“habitáculo duro como o aço” ou “jaula de aço”, foi utilizada por Max Weber, sociólogo alemão, para determinar “o caráter liberticida do capitalismo, que impõe de forma coercitiva suas leis e sua dinâmica a todos os indivíduos das sociedades industriais”, e é um dos temas centrais apresentado porMichael Löwy em seu novo livro, intitulado A jaula de aço (São Paulo: Boitempo, 2014).
Na obra, lançada nesta semana no Brasil, o sociólogo brasileiro radicado na França estabelece uma aproximação entre o pensamento de Max Weber e Karl Marx acerca do capitalismo. “Os dois percebem que no capitalismo existe uma inversão perversa entre fins e meios. A acumulação de dinheiro e de capital não é um meio para satisfazer necessidades sociais ou para a felicidade dos indivíduos, mas um fim em si”, pontua. De acordo com Löwy, “o diagnóstico de ambos tem vários pontos em comum, a grande diferença é que Weber é um fatalista resignado — ‘o capitalismo é nosso destino’ —, enquanto Marx aposta numa alternativa emancipadora ao capitalismo”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Michael Löwy comenta a influência do pensamento marxista weberiano na formação dos intelectuais brasileiros, especialmente por conta do desenvolvimento do “catolicismo de esquerda” na América Latina, e assegura que “o Brasil é talvez o país do mundo onde as ideias marxistas, na sua pluralidade e diversidade conflitiva, têm tido o maior desenvolvimento no campo da filosofia e das ciências sociais (sociologia, ciência política, história, etc.). Esta presença deMarx e dos marxistas se manifesta não só nas universidades, mas de forma mais ampla em partidos de esquerda, sindicatos combativos, movimentos sociais urbanos ou rurais, comunidades de base cristãs, etc.”.
Löwy é Cientista Social e leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da Universidade de Paris. Entre sua vasta obra, destacamos Ideologias e Ciência Social. Elementos para uma análise marxista (São Paulo: Cortez, 1985), As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen (São Paulo: Cortez, 1998), A estrela da manhã. Surrealismo e marxismo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002), Walter Benjamin: Aviso de Incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história” (São Paulo: Boitempo, 2005) e Lucien Goldmann, ou a dialética da totalidade (São Paulo: Boitempo, 2005). Confira a entrevista.
IHU On-Line – Por que associa o capitalismo à figura “jaula de aço”?
Michael Löwy – Weber usa a expressão stahlhartes Gehäuse,“habitáculo duro como o aço” (geralmente traduzida por “jaula de aço”) para caracterizar o caráter liberticida do capitalismo, que impõe de forma coercitiva suas leis e sua dinâmica a todos os indivíduos das sociedades industriais. O sistema econômico moderno aparece assim como uma espécie de prisão, uma servidão a qual ninguém consegue escapar.
IHU On-Line – Como o senhor entende o conceito de afinidade eletiva para explicar a relação entre a ética protestante e o espírito do capitalismo?
Michael Löwy – Weber usa este conceito, Wahlverwandtschaft — que tem sua origem na alquimia, antes de ser reformulado por Goethe, em sua novela As afinidades eletivas —, para designar uma relação de causalidade mútua, reforço recíproco ou mesmo osmose, entre uma ética religiosa, o protestantismo ascético, e o espírito do capitalismo. Quanto mais o indivíduo, no século 18-19, era um calvinista fervoroso, mais chances teria de se tornar um capitalista, e vice-versa. É um dos aspectos metodológicos mais importantes da sociologia de Weber.
IHU On-Line – Por quais razões entende que Weber não se referiu a uma ética católica e tampouco seus estudos tratam do catolicismo em alguma dimensão, tendo em vista que o catolicismo é uma das bases fundamentais da racionalidade ocidental?
Michael Löwy – Boa pergunta! Não estou seguro de ter a reposta. É realmente paradoxal que Weber, que dedicou estudos aprofundados ao confucionismo e ao hinduísmo, praticamente ignorou uma das principais religiões da Alemanha. Seria a tradicional hostilidade da cultura protestante ao catolicismo? Ou talvez a dificuldade de encaixar o catolicismo em seu esquema sobre as origens ocidentais da racionalidade moderna? É um tema para pesquisas futuras.
IHU On-Line – Quais são suas evidências de que Weber sugere, de algum modo, que a Igreja católica oferece um ambiente muito menos favorável ao desenvolvimento do capitalismo?
Michael Löwy – Weber o afirma, de forma explícita, tanto na Ética protestante e o espírito do capitalismo como em vários outros escritos. Não existe texto desenvolvendo esta temática, mas fragmentos dispersos em sua obra. Ele sugere várias pistas para explicar a “viva antipatia” da ética católica pelo capitalismo. Uma das mais interessantes é o caráter totalmente impessoal do capitalismo que não permite a intervenção moral da Igreja no curso do processo econômico e social.
IHU On-Line – O que é o catolicismo de esquerda na América Latina, qual sua influência na política e como ele tem se desenvolvido?
Michael Löwy – O catolicismo de esquerda surge como força político-religiosa importante na América Latina a partir dos anos 1960, sendo sua primeira manifestação a Juventude Universitária Católica – JUCbrasileira. Mais tarde vai aparecer a teologia da libertação, e toda uma dinâmica sociorreligiosa, que se poderia designar como cristianismo da libertação, incluindo CEBS, pastorais populares, etc. Sua influência política foi enorme, contribuindo de forma decisiva para a Revolução sandinista na Nicarágua, a formação do PT e do MST no Brasil, o surgimento do Zapatismo no México, etc.
IHU On-Line – Alguns intelectuais têm tratado o capitalismo na contemporaneidade como sendo a nova religião. O que o senhor entende por capitalismo como religião?
Michael Löwy – Walter Benjamin escreveu em 1921 um fragmento intitulado “O capitalismo como religião”; se trataria de uma religião cujas divindades — como o dinheiro — são objeto de um culto fervoroso, que torna todos os indivíduos endividados e culpados, levando o planeta Humanidade à “Casa do Desespero”. Na América Latina, teólogos da libertação, como Hugo Assmann e Jung Mó Sung, têm analisado o capitalismo como “idolatria do mercado” e religião mortífera exigindo sacrifícios humanos. Parece-me muito sugestiva esta reflexão.
IHU On-Line – Que aproximações evidencia no pensamento de Max Weber e Karl Marx em relação ao capitalismo?
Michael Löwy – Os dois percebem que no capitalismo existe uma inversão perversa entre fins e meios. A acumulação de dinheiro e de capital não é um meio para satisfazer necessidades sociais ou para a felicidade dos indivíduos, mas um fim em si. Os dois também observam que no capitalismo os indivíduos são dominados por abstrações reificadas. O diagnóstico de ambos tem vários pontos em comum, a grande diferença é que Weber é um fatalista resignado — “o capitalismo é nosso destino” —, enquanto Marx aposta numa alternativa emancipadora ao capitalismo.
IHU On-Line – Em que consiste o marxismo weberiano? Ele se aplica ao Brasil?
Michael Löwy – Marxistas weberianos são os pensadores que, partindo de uma análise marxista e de um compromisso político socialista, buscam integrar em sua reflexão conceitos e argumentos de Max Weber. É o caso de Geórg Lukács, da Escola de Frankfurt, de Merleau-Ponty e alguns outros. O termo foi cunhado por Maurice Merleau-Ponty, em seu livro Les aventures de la dialectique (1955).
IHU On-Line – Qual é a influência do pensamento de Max Weber no desenvolvimento de intelectuais marxistas brasileiros?
Michael Löwy – Existe uma ampla difusão das ideias de Weber no Brasil. Há vários cientistas sociais brasileiros que se interessaram por Marx e Weber: Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, etc. Mas os dois mais próximos do marxismo weberiano, tendo dedicado uma obra importante ao estudo de Weber, são Maurício Tragtenberg e Gabriel Cohn.
IHU On-Line – O senhor associa Merleau-Ponty ao marxismo weberiano. Qual é a aproximação de Ponty com o marxismo weberiano?
Michael Löwy – Na obra de 1955 que mencionamos, Merleau-Ponty se identifica com o marxismo weberiano, mas o único exemplo que ele dá é Geórg Lukács. Graças a Weber, argumenta M-Ponty, o marxismo pode se libertar do peso da visão determinista da história. Mas em seus escritos posteriores desaparece esta definição.
IHU On-Line – Em que sentido o pensamento de Habermas representa uma desassociação ao marxismo weberiano?
Michael Löwy – Habermas vai se formar no marxismo weberiano da Escola de Frankfurt, mas pouco a pouco seus escritos vão se afastar desta matriz. Desenvolvendo uma crítica radical tanto de Marx como de Weber, Habermas rompe com esta problemática para desenvolver uma visão liberal da racionalidade comunicativa como solução dos conflitos sociais.
IHU On-Line – Qual a influência fundamental do marxismo weberiano nas Ciências Humanas?
Michael Löwy – Os pensadores desta sensibilidade vão estar entre os críticos mais radicais da civilização capitalista, no campo da filosofia e das ciências humanas. Conceitos como retificação (Lukács) ou racionalidade instrumental (os Frankfurtianos) são exemplos desta negatividade crítica.
IHU On-Line – O pensamento marxista e, posteriormente, o pensamento marxista weberiano, têm tido espaço nas universidades do Brasil e do mundo? Qual? Nesse sentido, como o senhor vê o desenvolvimento e a influência do pensamento de Marx especialmente nos cursos de Ciências Sociais no Brasil?
Michael Löwy – O Brasil é talvez o país do mundo onde as ideias marxistas, na sua pluralidade e diversidade conflitiva, têm tido o maior desenvolvimento no campo da filosofia e das ciências sociais (sociologia, ciência política, história, etc). Esta presença de Marx e dos marxistas se manifesta não só nas universidades, mas de forma mais ampla em partidos de esquerda, sindicatos combativos, movimentos sociais urbanos ou rurais, comunidades de base cristãs, etc. Como o ilustram os exemplos acima mencionados, o marxismo weberiano é uma das múltiplas expressões destas ideias no campo intelectual brasileiro.