Ministério Público Federal deve acusar a Funai pelo não cumprimento de acordo que prevê a identificação de territórios indígenas no MS. BNDES também será questionado por financiar usinas de cana-de-açúcar que incidem sobre terras
Verena Glass
O Ministério Público Federal (MPF) cobra a Fundação Nacional do Índio (Funai) quanto ao reconhecimento de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Em 2007, os dois órgãos firmaram Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com metas referentes às demarcações das áreas que, até o momento, não foram cumpridas pela Funai, ligada ao Ministério da Justiça (MJ). O prazo de conclusão dos processos, fixado para este ano, dificilmente será mantido.
Os procuradores da República também questionarão os investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em usinas que cultivam cana-de-açúcar em territórios indígenas já reconhecidos.
Para Marco Antonio Delfino, do MPF do Mato Grosso do Sul (MPF/MS), a morosidade no processo de reconhecimento, demarcação e homologação das terras indígenas é um dos principais vetores de conflitos fundiários e tem vitimado o povo Guarani Kaiowa no Mato Grosso do Sul.
Um dos fatores que tem contribuído com a morosidade da Funai é, na avaliação de Marco Antônio, o fortalecimento de atividades agropecuárias no Cone Sul do Estado, região em que se concentra a maior parte das áreas reivindicadas pelos indígenas. A expansão da cana – analisada no relatório O Brasil dos Agrocombustíveis – Volume 6 – Cana-de-Açúcar 2009, do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis (CMA) da Repórter Brasil – pressiona inclusive Terras Indígenas (TIs) já reconhecidas.
Nesse sentido, o incentivo oficial do BNDES a atividades do setor na região, analisa o MPF, é um dos principais problemas. Dois casos devem ser especialmente questionados pelo procurador Marco Antônio. Como também consta no relatório Cana 2009 do CMA, as usinas Nova América, pertencente ao grupo Cosan, e Monte Verde, em Ponta Porã (MS)), pertencente à Bunge, se abastecem com cana cultivada em Tis.
A unidade de Caarapó (MS) da Nova América – empresa paulista que detém a marca de açúcar União e foi adquirida pela Cosan em 2009 – é arrendatária da Fazenda Santa Claudina, de propriedade do deputado estadual e agropecuarista José Teixeira (DEM). A fazenda incide na TI Guyraroca – área que já foi vistoriada pela Funai e teve o resumo de identificação e delimitação publicado no Diário Oficial da União (DOU). Já a Usina Monte Verde é arrendatária de ao menos três fazendas (Santa Luzia, Guarida e Três Marias) que incidem sobre a TI de Jatayvary. A Funai publicou o resumo do reconhecimento do território, de 8,8 mil hectares, no mesmo DOU em 2004.
Os representantes do MPF destacam que o financiamento público do BNDES a esses empreendimentos – que contrariam decreto do Conselho Monetário Nacional (CMN) que impõe restrições a cultivos agrícolas em Tis – não consiste apenas em fomento a atividades irregulares, mas também incentiva conflitos e violações de direitos humanos dos povos indígenas.
Julgamento
Na próxima semana, o procurador Marco Antonio atuará ainda na acusação no julgamento de três acusados pelo assassinato do cacique indígena Marcos Veron, integrante justamente do povo Guarani Kaiowa.
A morte de Marcos Veron ocorreu em janeiro de 2003, quando capangas da Fazenda Brasília do Sul, parcialmente ocupada pelos Guarani Kaiowa, espancaram o cacique de 73 anos até a morte durante uma ação ilegal de despejo. Localizada no município de Juti (MS), região de Dourados (MS), a propriedade que mantinha cultivo de soja e criação de gado é reivindicada pelos indígenas da aldeia Takuara desde 2001. Somente em 2005 a Funai identificou a área como de posse tradicional por meio de laudo antropológico. O procedimento demarcatório ainda não foi concluído.
Na ação que deve mover contra a Funai, o MPF deve usar o argumento de que conflitos pela terra – como o que levou à morte de Marcos Veron – são causados pela lentidão na demarcação das terras indígenas e pela ocupação dos territórios ancestrais por negócios agropecuários.
Acordo
Paralelamente, o MPF obteve a assinatura, no último dia 22 de abril, de um Termo de Cooperação e Compromisso de Responsabilidade Ambiental, Indígena e Trabalhista, firmado pela São Fernando Açúcar e Álcool, de Dourados (MS). Pertencente ao Grupo Bertin, que se associou ao JBS Friboi e faz parte de um dos maiores grupos frigoríficos do mundo, a usina vinha produzindo cana na Fazenda El Shadai, que incide sobre a TI de Jatayvary.
Com a assinatura do termo, a usina assumiu a obrigação de não adquirir ou promover o plantio de cana, mesmo por intermédio de arrendamento, em imóveis rurais que estejam localizadas em áreas identificadas, declaradas ou homologadas como terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Os contratos firmados com proprietários de fazendas localizadas nessas terras serão rescindidos e não renovados, ficando assegurado o direito de conclusão das colheitas permitidas pelo ciclo da cana. A usina também não poderá realizar ou promover o plantio de cana-de-açúcar em áreas de preservação permanente, identificadas e demarcadas como de Reserva Legal.
Nos contratos celebrados a partir da assinatura do acordo, a usina não poderá explorar área superior a 80% dos imóveis rurais com Reserva Legal não demarcada. A empresa se comprometeu também a criar medidas de incentivo a parceiros agrícolas que pretendamobter licenciamento ou autorização ambiental para a regularização da Reserva Legal da propriedade rural.