Nota editorial
Curadores: Liv Sovik e Thiago Ansel*
O convite da revista Animus aos pesquisadores em Comunicação para submeter trabalhos para um dossiê sobre o tema “Comunicação, Identidades Raciais e Racismo”, veiculado pela lista da COMPÓS, recebeu um numero recorde de submissões na experiência da revista. O tamanho da vontade de publicar sobre o tema fala, ao nosso ver, de uma demanda represada, principalmente entre pós-graduandas e
pós-graduandos que constituíram a maioria desses autores. Demanda represada porque o tema está muito vivo na sociedade brasileira e nas experiências de um crescente número de estudantes negros e negras, matriculados nos programas de pósgraduação em Comunicação, mas pouco discutido na área.
A atenção às identidades raciais e ao racismo tradicionalmente não fazem parte do leque de perspectivas analíticas sobre a comunicação no Brasil. Os motivos podem ser históricos. A partir do momento fundador, marcado pelo boom da indústria cultural brasileira e a globalização – ou americanização, como se dizia nos anos 60 e 70 – da produção cultural, os estudos da Comunicação têm sido mais “universalistas” do que particularistas ou nacionalistas. Nesse sentido, a área é diferente da Antropologia e das Letras, onde se pensa mais sobre a identidade nacional. Há exceções: afinal um dos principais teóricos brasileiros da Comunicação hoje, Muniz Sodré, fez impacto sobre a comunidade intelectual mais ampla com seus livros sobre as formas de pensar da cultura negra, mas o tema ainda não chegou ao mainstream.
As reflexões de Fredric Jameson sobre a área de Comunicação no Norte Atlântico de língua inglesa talvez ajudem a pensar o por quê da marginalidade de questões de identidades raciais. Ele apontou que, na Grã-Bretanha, Estados Unidos e Canadá, na divisão de trabalho entre os Estudos Culturais e os de Comunicação, restava “apenas a tecnologia das comunicações como uma marca ou característica distintiva da separação disciplinar” (Jameson, 1994: 16). Cita Jody Berland, dizendo que “a topografia do consumo é cada vez mais identificada como o mapa do social, na área” (apud Jameson, 1994: 17). Tecnologia de comunicação, consumo: são categorias amplas, centrais para os estudos de Comunicação, no hemisfério norte como aqui, e tendem a ter a aura do universal.Mas mesmo quando sim, se trata de identidades, muitas vezes a dinâmica das raciais é desprezada. Isso, como o dossiê que segue demonstra, está diminuindo com a nova geração de pesquisadores.
O texto de Jameson citado acima fala ainda das tradições intelectuais e acadêmicas ser[em] formadas pela localização geopolítica dos pesquisadores. “É evidentemente a situação do Canadá à sombra do império da mídia dos EUA que dá aos nossos vizinhos seu privilégio epistemológico,” comenta ele (Jameson, 1994: 16). Se, no Brasil, a crítica à desigualdade racial não tem sido incorporada ao leque de questões convencionais, levantadas na análise da Comunicação, cabe pensar quais são as desvantagens epistemológicas que isso traz. O que se perde – se nos permitem a provocação, necessariamente simplificadora – com a desatenção aos problemas ligados ao amigo íntimo dessa crítica, a identidade nacional? Ao pensamento social enquanto antecedente do pensamento comunicacional brasileiro? Nos parece que o pensamento comunicacional tendencialmente universalista não só passa ao largo do problema da violência simbólica racista, presente no ambiente midiático, mas de outros problemas e suas respectivas fortunas teóricas, como, por exemplo, a contribuição de culturas não logocêntricas à emergência de novos regimes de verdade. A área muitas vezes se submete ao convencionalismo epistemológico que uma atenção às diversas locais e formas em que se produzem verdades poderia amenizar.
Mas afinal, o quanto se estudou de identidades raciais e racismo, na área de Comunicação, nos últimos anos? Thiago Ansel e Erly Guedes, doutorando e mestranda do grupo de pesquisa sobre Comunicação, Cultura e Política da ECOUFRJ, fizeram um levantamento de teses e dissertações defendidas entre 1990 e 2014 nos programas de pós-graduação em Comunicação filiados a Compós, que focalizaram identidades e relações raciais. Esse levantamento mostrou que dos 35 programas que disponibilizaram seus trabalhos online, cinco apresentaram um percentual de teses e dissertações sobre a questão racial superior a 10% (considerando a totalidade da produção discente de cada programa). Três desses programas se encontram na região sudeste (UFRJ, UFF e UFJF), um no centro-oeste (UFG) e um no norte (UFPA).
Esses dados quantitativos ajudam a constatar que o tema foi pouco frequente na produção discente de mestrados e doutorados em comunicação de todo o país, em mais de duas décadas. No entanto, o contraste entre o histórico de baixa recorrência do assunto das identidades raciais e do racismo nas teses e dissertações e a demanda represada aqui percebida sugere que não há falta de interesse. Talvez seja o momento de estarmos mais atentos a como “raça” importa mesmo naquelas abordagens que podem prescindir desta variável.
Por fim, queremos expressar nossa gratidão – e certamente a dos autores – aos editores da revista Animus por ter aberto a porta para o tema “Comunicação, Identidades Raciais e Racismo”.
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*Escola de Comunicação da UFRJ.
Referência:
Jameson, Fredric. Sobre os “Estudos da Cultura”. (trad. John Monteiro) Novos Estudos CEBRAP. No.39, julho 1994, p.11-48.
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Animus v. 14, n. 27 (2015)
Sumário
Editorial
Editorial | |
Nota editorial Dossiê da revista Animus sobre Comunicação, Identidades Raciais e Racismo | |
Dossiê Temático: Comunicação, Identidades Raciais e Racismo
A contribuição de Stuart Hall para os estudos de raça e etnicidade no cinema brasileiro nos anos 1960 E 70 | |
Pedro Vinicius Asterito Lapera |
Nós, vocês e eles: a luta pela representação dos indígenas na arena das cartilhas | |
Miguel Geraldo Mendes Reis |
Do sentimento de injustiça à luta social: movimento negro, estratégias de comunicação e luta por reconhecimento no Brasil | |
Alicianne Gonçalves de Oliveira |
O Rap contra o racismo: a poesia e a política dos Racionais Mc’s | |
Gabriel Gutierrez Mendes |
Visões sobre o Movimento Black Rio: apontamentos teóricos sobre estilo, consumo cultural e identidade negra | |
Luciana Xavier de Oliveira |
A abolição da escravatura e a emancipação das mulheres nas páginas da Revista Litteraria | |
Aline Strelow |
Estrangeiros
Participação cidadã, design e estrutura nas principais mídias eletrônicas chilenos | |
Alvaro Patricio Elgueta Ruiz |
A Psico-morfologia da Experiência Social: da atomização da privacidade à intimidade pública | |
Samuel Mateus |
Os jovens e os meios de comunicação: Convergentes, envolvidos, sociales e rurbanos | |
Matias Centeno, Lucia Cornejo, Mariela Guiroga Gil |
Artigos Livres
O conceito de identidade nos estudos culturais britânicos e latino-americanos: um resgate teórico | |
Marcielly Cristina Moresco, Regiane Ribeiro |
Iconicidade enunciativa no telejornal: uma proposta de análise em duas dimensões | |
Fabiano Maggioni |
A teoria vista do quadro-negro: tensões da epistemologia no discurso docente sobre Teoria(s) da Comunicação | |
Luis Mauro Sa Martino |
Camada popular emergente: um novo contexto para a comunicação publicitária de instituições de ensino superior | |
Ewerton Mauro Visotto Faria, Gino Giacomini-Filho |
O agendamento da estratégia nas páginas da revista Exame | |
Victor Márcio Laus Reis Gomes |
Universidade Federal de Santa Maria
Programa de Pós-graduação em Comunicação
ANIMUS – Rev. Inter. de Com. Midiática,
e-mail: [email protected]
E-ISSN 2175-4977
DOI: 10.5902/21754977