Ao desprezar plebiscito grego, União Europeia abandonou seu flerte com democracia e direitos. Esquerda pós-capitalista precisa perceber virada, para não tornar-se supérflua
Por Bernard Cassen | Tradução: Antonio Martins, em Outras Palavras
Durante quase três milênios, os maiores matemáticos – entre eles, os gregos Hipócrates e Arquimedes – tentaram resolver o problema da quadratura do círculo: a construção de um quadrado de área idêntica a um círculo dado, utilizando apenas uma régua e um compasso. Foi preciso esperar 1883 para que um professor alemão, Ferdinand von Lindemann (1852-1939), demonstrasse que isso era impossível.
A séculos de distância, no amanhecer de 13 de julho de 2015, um grego, Alexis Tsipras, e dois outros alemães, Wolfgang Schäube e Angela Merkel, encontraram-se em Bruxelas, numa encenação comparável, mas em que a lei do mais forte substituiu a demonstração científica. O primeiro ministro grego queria provar que sua recusa às políticas de “austeridade” era compatível com a presença de seu país na zona do euro. Seus interlocutores, a chanceler e o ministro das Finanças alemão sacudiram esta argumentação com uma bofetada: Atenas deveria escolher entre a “austeridade” por tempo indeterminado e a expulsão da zona do euro, o “Grexit”. Submetido a uma pressão inédita, Alexis Tsipras foi obrigado acapitular.
Esta “noite de 13 de julho”, a da demonstração da impossibilidade de fazer coincidir a superfície do quadrado das medidas progressistas e a do círculo do euro, será sem dúvidas um momento crucial da história da União Europeia. Apesar de algumas diferenças de fachada, com o presidente francês François Hollande no papel de alcoviteiro, todos os governos membros do grupo do euro enviaram uma mensagem cristalina às opiniões públicas europeias. Invertendo a palavra de ordem altermundista “Um outro mundo é possível”, eles fizeram saber que “Outra Europa é impossível”, nos parâmetros atuais.
Ao tomar por nula e não havida a vontade majoritária dos gregos, expressa nas eleições de 25 de janeiro e no referendo de 5 de julho, eles indicaram aos eleitores que seus votos têm, na melhor hipótese, um caráter apenas consultivo; e que as grandes decisões são território reservado das “instituições”, novo nome da Troika: a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, que têm em comum o fato de não terem sido eleitos. A tal ponto que podemos nos perguntar, exceto em questões subalternas, se é de fato necessário continuar a organizar eleições no interior da zona do euro e mesmo no conjunto da União Europeia.
Em certos meios políticos muito aferrados à ideia de União Europeia – em especial os partidos Verdes –, há inquietações sobre as graves consequências políticas do desprezo demonstrado pelas “instituições” diante da Grécia, tratada como uma república de bananas qualquer. É evidente que esta Europa, em total contradição com o discurso de democracia e solidariedade construído para promovê-la, é um verdadeira espada e deve-se esperar um crescimento rápido do euroceticismo, em meio ao desemprego maciço de jovens. O muito liberal presidente do Conselho Europeu, o ex-primeiro ministro polonês Donald Tusk, chegou a afirmar que “a atmosfera política de hoje é muito similar à de 1968, na Europa. Sinto um estado de espírito talvez não revolucionário, mas de impaciência1.
Em maio de 1968, o Partido Comunistra Francês, então força hegemônica na esquerda, foi completamente surpreendido e tornou-se incapaz de traduzir em termos políticos a revolta estudantil, que se estenderia em seguida aos operários. Se não tirar rapidamente as lições da decepção de Alexis Tsipras e do preço a pagar para continuar no euro, também a esquerda radical europeia arrisca-se a constatar que a História se faz sem ela.
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1 Le Monde, 14/7/2015