Uma triste notícia interrompe os preparativos do Kwarup prestes a acontecer na aldeia Ipatse, aldeia central do povo Kuikuro, no Alto Xingu. Nas vésperas do ápice da cerimônia, Pirakumã Yawalapiti sofre um infarto fulminante
André Villas Bôas e Nina Kahn – ISA / Amazônia
Pira, como era chamado por todos, era filho de Paru Yawalapiti e irmão de Aritana, faz parte da geração de lideranças políticas preparadas para lidar com um mundo em rápida transformação. Seus pais, tios e avós foram protagonistas do contato dos “alto xinguanos” com os irmãos Villas-Boas ao longo dos anos 1950. Aritana foi formado para manter nos tempos atuais a admirável capacidade diplomática que seu pai desempenhou no processo de integrar pacificamente as 16 etnias que foram reunidas dentro da fronteira do que veio a se constituir como “Parque do Xingu” (PIX).
A Pirakumã coube o papel de ajudar sua família na articulação desses povos com a intrincada política indigenista. Ele assumiu para si o papel de estender para além das fronteiras do PIX o entendimento dos esforços humanistas que seus parentes mais velhos foram treinados para deixar como legado a um Brasil em constante transformação.
Pira aprendeu a ler e escrever com os irmãos Villas-Boas e aprimorou seus conhecimentos escolares com os indigenistas que se sucederam na administração do Parque a partir dos anos 1980. Quando Megaron Txukahamãe foi diretor do PIX, na década de 1980, Pirakumã chefiou o Posto Indígena Leonardo, o principal ponto de chegada e partida de pesquisadores, artistas, visitantes, médicos e colaboradores que acreditavam ser possível resguardar a integridade de povos que, até hoje, servem para construir o imaginário de um país que deu espaço para abrigar e zelar por “seus índios”.
Pirakumã foi nomeado pela Funai diretor do Parque do Xingu entre 1999 e 2002. Após esse período foi morar em Canarana, no MT, quando fundou a organização Portal do Xingu, a qual se dedicou até então, juntamente com seus filhos. Poliglota, da extirpe de uma família diplomata, Pira tentava entender, traduzir e prevenir seus parentes sobre as ameaças do contexto regional e sobre a necessidade de integrar conhecimentos e decisões políticas ajustadas a um mundo em constante transformação. O frequente convívio na cidade nunca impediu que ele estivesse no Parque para os principais acontecimentos – festivos ou não – que ocorressem ali. Admitia que não teria domínio sobre as decisões de seus netos, mas sabia que suas palavras, gestos e atitudes eram coerentes com os valores que seus pais lhe passaram, pois foram eles que construíram o que hoje ainda continua em pé.
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Foto: Pirakumã pede calma aos policiais nas proximidades do Congresso Nacional, em Brasília, durante a mobilização nacional indígena de outubro de 2013|André D’Elia