MPF/SP recorre de decisão que rejeitou denúncia contra ex-agentes da ditadura

Procurador contesta alegação de que denunciados pela morte de Manoel Fiel Filho estão cobertos pela Lei da Anistia; metalúrgico foi torturado e morto em São Paulo em 1976

PGR/MPF

O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) recorreu da decisão do juiz federal Alessandro Diaféria, que rejeitou a denúncia oferecida contra sete ex-agentes da repressão pela morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho, em 1976. Segundo o magistrado, os denunciados são beneficiários do amplo perdão concedido pela Lei da Anistia aos autores de crimes políticos entre 1961 e 1979. No entanto, o MPF reafirma que, de acordo com normas internacionais às quais o Brasil está submetido, delitos como o assassinato de Fiel Filho são considerados crimes contra a humanidade, impassíveis de anistia e imprescritíveis.

O metalúrgico, que não tinha antecedentes criminais nem registros nos órgãos de repressão, foi detido em 16 de janeiro de 1976 por suspeita de ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Levado para o Destacamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, na capital paulista, ele foi submetido a intensas sessões de tortura até o dia seguinte, quando sofreu estrangulamento e morreu.

O tenente Tamotu Nakao e o delegado Edevarde José conduziram as agressões, com o auxílio dos carcereiros Alfredo Umeda e Antonio José Nocete. A equipe seguia as orientações do chefe do DOI na época, Audir Santos Maciel. Todos foram denunciados por homicídio triplamente qualificado. Os peritos Ernesto Eleutério e José Antônio de Mello também foram acusados de envolvimento no episódio por emitirem laudos nos quais atestaram a ausência de sinais de violência, apesar dos hematomas, principalmente no rosto e nos pulsos da vítima.

Lei da Anistia

O procurador da República Andrey Borges de Mendonça, autor do recurso, destaca que, ao rejeitar a denúncia, o juiz afrontou o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o julgamento de agentes do Estado envolvidos na repressão política. Em novembro de 2010, ao analisar o desaparecimento de opositores do regime na Guerrilha do Araguaia, o tribunal determinou que o Brasil tem o dever de responsabilizar e punir os oficiais que cometeram crimes contra a humanidade durante a ditadura e que a Lei de Anistia brasileira não pode ser um obstáculo às apurações. O país é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e está submetido à jurisdição da Corte, cujas sentenças têm efeito vinculante sobre todos os Poderes do Estado brasileiro.

“Tal forma de anistia é claramente reprovada pelo Direito Internacional, que não vê nela qualquer valor. Não bastasse, o Congresso Nacional não possuía autonomia e independência, e seria pueril crer que havia, àquela altura, uma oposição firme que pudesse se opor à aprovação da Lei de Anistia. Os opositores estavam, em sua imensa maioria, mortos, presos ou exilados. Foi, assim, criada apenas para privilegiar e beneficiar os que se encontravam no poder, buscando exatamente atingir o escopo ainda persistente: não haver a punição dos crimes praticados pelos agentes estatais quando estes saíssem do poder”, destaca o procurador.

O MPF frisa ainda que a ordem do tribunal interamericano não está em conflito com a decisão do Supremo Tribunal Federal de 2010 que reconheceu a constitucionalidade da Lei da Anistia. Ao proferir o acórdão, o STF apenas ratificou a conformidade da lei com a Constituição, sem avaliar sua compatibilidade com tratados internacionais dos quais o Brasil faz parte. Segundo Mendonça, o cumprimento da decisão da Corte não significa que ela seja superior à do Supremo ou que esteja desautorizando uma autoridade do sistema judiciário brasileiro. “Cada decisão possui seu objeto próprio e seu parâmetro específico de análise”, afirma.

Lesa-humanidade

O procurador contesta também a alegação do juiz Alessandro Diaféria de que não teria havido violações aos direitos humanos em caráter sistemático e generalizado durante a ditadura militar. O magistrado nega que os ataques tenham se estendido à grande massa da população brasileira. No entanto, Andrey Borges de Mendonça lembra que as consequências do regime de exceção não podem ser dimensionadas apenas com base no número de mortos (369).

Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, pelo menos 1843 pessoas foram torturadas no período, número que a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República estima chegar a 20 mil. Centenas de pessoas perderam seus direitos políticos, parlamentares tiveram mandatos cassados, milhares de civis e militares foram aposentados, reformados ou demitidos em virtude de sua oposição ao governo ditatorial.

Além disso, deve-se considerar que as práticas foram adotadas pelo Estado, organizadas no chamado Sistema de Segurança Interna, que articulava as forças regionais e nacionais de combate aos opositores. As condutas seguiam os princípios da Doutrina de Segurança Nacional, pela qual todos os que manifestavam contrariedade ao regime eram tratados abertamente como “inimigos”.

“A adoção da referida doutrina demonstra que a tortura não foi um desvio ou anomalia, mas sim pensada e desenvolvida de maneira sistemática e organizada”, define o procurador. “Houve a adoção da tortura como política de Estado, que atingiu, de maneira indiscriminada, inocentes e pessoas envolvidas com a repressão. Manoel Fiel Filho era uma destas pessoas inocentes, que nada tinham feito de concreto para justificar sua detenção”.

O número do processo é 0007502-27.2015.4.03.6181. O recurso será enviado ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, após as contrarrazões dos denunciados. Para ler a íntegra, clique aqui.

Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Estado de S. Paulo

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.