Na última terça-feira (11), o governo federal anunciou o “Programa de Investimento em Energia Elétrica – PIEE”, um pacote de investimentos de R$ 116 bilhões em geração e R$ 70 bilhões em transmissão de energia elétrica, previstos para contratação até o final de 2018. Na prática, o governo destacou projetos prioritários em que pretende concentrar investimentos até o final do mandato da Presidente Dilma Rousseff, muitos dos quais já anunciados em planos anteriores, a exemplo do Plano Decenal de Expansão de Energia 2014-2023 (PDE).
O anúncio do PIEE poderia ter indicado novos rumos para o setor elétrico brasileiro, possibilitando a correção de erros que levaram à atual crise do setor: em particular, a elevada dependência em relação a hidrelétricas, altamente vulneráveis a secas que se agravam com as mudanças climáticas, e à utilização de termelétricas movidas a combustíveis fósseis que têm aumentado as contas de energia elétrica do consumidor, enquanto aumentam as emissões de gases de efeito estufa do país.
Para trilhar um novo caminho no setor elétrico, seria necessário que o governo adotasse como prioridade a diversificação e descentralização da matriz energética por meio de energias renováveis, especialmente solar e eólica, em conjunto com incentivos para a conservação de energia e eficiência energética, eliminando grandes desperdícios existentes.
Na cerimônia de lançamento do PIEE, a Presidente Dilma e o Ministro Eduardo Braga indicaram o contrário: que o governo pretende persistir no mesmo caminho do chamado “modelo hidrotérmico” centralizado, priorizando a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia e outras tantas pelo País, em conjunto com mais usinas termelétricas movidas a carvão e a gás natural. Ou seja, o governo opta por investir novamente em fontes que são poluentes com grandes impactos socioambientais e custos elevados para o bolso do consumidor.
Em particular, é alarmante a insistência do governo em priorizar a construção de duas mega-hidrelétricas, São Luiz do Tapajós e Jatobá, no rio Tapajós, a um custo inicial estimado em R$ 36 bilhões. Logo de partida, o governo ignora as lições de experiências recentes da construção de megabarragens na Amazônia como Belo Monte, marcadas por aumentos repetitivos de custos exorbitantes, atrasos de construção e consequências socioambientais desastrosas, com graves violações dos direitos humanos e da legislação ambiental, conforme demonstrado repetidamente por organizações da sociedade civil, Ministério Público Federal e pesquisadores de universidades brasileiras.
Além disso, o governo recusa a admitir graves problemas no planejamento e licenciamento de barragens no Tapajós, como a inundação do território Sawre Muybu do povo Munduruku, o que seria inconstitucional, e a ausência de qualquer processo de consulta livre, prévia e informada junto aos povos indígenas e outras populações tradicionais ameaçadas, exigida por lei, antes da tomada de decisões políticas.
Cabe ressaltar também que, contrariando a legislação ambiental, ainda não foi realizada uma avaliação dos impactos cumulativos e sinérgicos da construção de dezenas de barragens na bacia hidrográfica do Tapajós, como pretende o setor elétrico do governo e de estratégias alternativas de investimento, e tampouco foi elaborado e aprovado um plano de gestão da bacia, conforme exigido pela Lei das Águas de 1997.
Tanta insistência em projetos equivocados, com tantos atropelos nas políticas públicas, parece refletir o fato de que megaempreendimentos como Belo Monte, Jirau e Angra 3 constituem a base de grandes esquemas de corrupção, conforme revelado por investigações da Policia Federal e do Ministério Público Federal, no âmbito da Operação Lava Jato.
Num contexto de evidentes manobras políticas, associadas a violações dos direitos humanos e da legislação ambiental, consideramos extremamente preocupante o anúncio no PIEE e na “Agenda Brasil” de uma política de ‘fast-tracking’ para o licenciamento ambiental de grandes obras consideradas prioridades do governo, estabelecendo prazos máximos para a concessão de licenças.
O Programa de Investimento em Energia Elétrica (PIEE) incluiu projeções para a energia solar fotovoltaica, fonte que sempre foi negligenciada no planejamento governamental para o setor elétrico. Entretanto, a energia solar continua marginal na política energética brasileira, com tímidas metas de expansão (2.000 – 3.000 MW) que contrastam com seu enorme potencial no país. De forma semelhante, as metas para a expansão da energia eólica (4.000 a 6.000) e biomassa (3.000 a 5.000 MW) também são tímidas. Não há qualquer menção no programa sobre o aproveitamento de energia das marés (maremotriz).
Em suma, o governo perdeu a chance de mostrar que o Brasil pode, sim, contar com mais fontes renováveis de menor impacto e fazer com que a sua matriz elétrica seja mais diversificada e distribuída, com grandes benefícios sociais, econômicos e ambientais. O governo continua a perpetuar um modelo de geração de energia centralizado, que privilegia grandes obras, mesmo quando seus efeitos negativos já são conhecidos. A opção preferencial pelo “modelo hidrotérmico” mantém o Brasil na contramão da tendência mundial de investimentos cada vez maiores nas fontes renováveis de menor impacto.
A repetição de erros do passado no Programa de Investimentos em Energia Elétrica (PIEE) também reflete o fato de que o governo continua formulando a sua política energética a portas fechadas com empreiteiras e grupos políticos, recusando a criação de espaços de diálogo com a sociedade. Exemplo disso é a ausência de representantes da sociedade civil e da academia brasileira no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), contrariando um decreto presidencial. Trata-se uma realidade que contrasta com as palavras da Presidente Dilma e do Ministro Braga no lançamento do PIEE, quando enfatizaram a necessidade de ‘governar respeitando a democracia” e da importância de um “clima de colaboração e diálogo, transparência e soluções negociadas”.
Com uma política energética voltada para a diversificação e a descentralização da matriz elétrica brasileira – priorizando fontes renováveis de menor impacto (solar, eólica, biomassa, e maremotriz) em conjunto com fortes incentivos para a conservação de energia e eficiência energética, o Brasil aproveitaria a oportunidade histórica de gerar emprego e renda com inovação tecnologia e baixas emissões de carbono, evitando a desnecessária construção de mais barragens desastrosas na Amazônia, usinas a carvão, e usinas nucleares.
Embora não citado explicitamente no PIEE, repudiamos a retomada da construção de mais usinas nucleares como projeto estratégico do governo, conforme anunciado recentemente pelo MME.
Ressaltamos ainda que as políticas e projetos de expansão de energias renováveis, como no caso da energia eólica, precisam respeitar os direitos territoriais de povos indígenas, comunidades pesqueiras e outras populações tradicionais, assim como a obrigatoriedade de processos de consulta livre, prévia e informada, respeitando a Convenção 169 da OIT e outra legislação em vigor.
Assim, a Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil, que reúne um conjunto de organizações da sociedade civil, em conjunto com outras entidades e redes, manifesta seu rechaço ao Programa de Investimento em Energia Elétrica, em seu formato atual, e reafirma o conjunto de propostas que apresentou ao Ministério de Minas e Energia (MME) no último dia 10 de junho, com o entendimento de que a sua implementação é condição indispensável para que uma política energética que coloque o país no caminho do desenvolvimento com eficiência energética, sustentabilidade ambiental e justiça social. Até o momento, esse conjunto de propostas não recebeu retorno do MME e certamente não foi considerado na formulação do PIEE. Assim, reivindicamos que o Programa seja revisado imediatamente, considerando as propostas apresentadas ao MME, como parte de uma agenda de diálogo urgente entre o setor elétrico do governo e organizações da sociedade civil brasileira.
Brasília, 20 de agosto de 2015
FRENTE POR UMA NOVA POLÍTICA ENERGÉTICA PARA O BRASIL
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Associação Floresta Protegida – Mebengôkre/Kayapó
Associação Tyoporemô dos Povos Indígenas Nativos Ribeirinhos do Médio Xingu
Associação Alternativa Terrazul
Articulação Antinuclear Brasileira
Amazon Watch
Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária – CEAPAC
Centro de Formação do Negro e Negra da Transamazônica e Xingu,
Coletivo Cidade Verde
Coletivo de Mulheres de Altamira,
Comissão Pró-Índio de São Paulo
Comitê de Energia Renovável do Semiárido
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais – FBOMS
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – FORMAD
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Fundação Tocaia
Grupo Ambientalista da Bahia – Gambá
Greenpeace Brasil
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicos – IBASE
Instituto Centro de Vida – ICV
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Instituto Madeira Vivo – IMV
Instituto PanAmericano do Ambiente e Sustentabilidade – IPAN
Instituto Socioambiental – ISA
International Rivers – Brasil
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
Movimento Xingu Vivo para Sempre
Mutirão pela Cidadania
Observatório Social de Belém
Operação Amazônia Nativa – OPAN
Rede de Cooperação Amazônica – RCA