Nada, absolutamente nada, é pior do que se deparar com um jovem de cabeça velha.
E, por favor, não me interpretem mal. “Velha” aqui não tem a ver com idade, porque há pessoas que ultrapassam os 80, 90 anos compreendendo o tempo em que vivem e, em uma constante renovação de si mesmas, conseguem atualizar sua visão de mundo sem corromper sua ética e seus ideais.
Elas exalam um frescor de pensamento e uma abertura para o diálogo que muita gente que nem completou 30 anos conseguiria mesmo se tivesse overdose de xampu de bebê. Aquele que não irrita os olhos.
Além do mais, com exceção de meus queridos amigos de Recife, que chamam todo mundo de “velho”, mas possuem licença poética para tanto, pessoas idosas não deveriam ser reduzidas a esse termo. Muitos menos de forma depreciativa. Da mesma maneira que indivíduos com deficiência visual não deveriam ser chamados por sua deficiência – “o cego”, “a cega”.
“Cego” deveria ser usado apenas para pessoas com dois olhos em perfeito estado de funcionamento, mas incapazes de enxergar a realidade diante de si – mesmo que essa realidade fosse morta a balas e sangrasse aos seus pés 18 vezes.
A cabeça velha, que não tem a ver com a idade, é estagnada. É aquela que, sob absoluta certeza de que sabe de tudo e já viu tudo, fecha-se para o novo ao seu redor. Não por conta da inocência presente nas verdades incontestáveis da adolescência, mas pela preguiça de cruzar o cercado do seu universo particular. Indo contra, justamente, o que se espera de uma cabeça jovem e aberta a todas as possibilidades, capaz de se sentir empatia com mais facilidade do que nós – que já temos uma bagagem carregada de preconceitos, destilados ao longo do tempo por nossos medos e traumas.
É aquela cabeça que bate no peito o orgulho por sua individualidade, mas que joga fora exatamente uma de suas melhores características: a possibilidade de reflexão solitária que leva a decisões racionais.
Porque, não se engane, a massa muitas vezes age de forma inconsequente, seguindo líderes, independente da cor da camisa que usem ou das contas anônimas em redes sociais que produzam. A massa superficial não raro comete atrocidades piores do que aquelas que afirma combater.
Um jovem de cabeça velha é aquele que acha legal contestar tudo o que veio antes, ignorando a História. Dessa forma, acha que está sendo a última cocada do tabuleiro do vanguardismo quando, em verdade, mergulha de cabeça na piscina sem água do reacionarismo.
No caso brasileiro, temos o exemplo das conquistas que levaram à efetivação de direitos desde o fim da ditadura cívico-militar. Essa contestação se apresenta na forma de algumas aberrações, do tipo: “Sou contra os direitos humanos porque isso é coisa que os mais velhos defendem e eu sou do contra”. É claro que, neste caso, essa reflexão conta com a ajudinha de lideranças sociais e digitais que dizem que a sociedade, hoje, vive uma ditadura dos direitos humanos que precisa ser enfrentada.
Se isso fosse verdade, negros não seriam vítimas de preconceito, homossexuais e transexuais nem seriam agredidos na rua, muito menos jovens pobres assassinados nas periferias e indígenas desterrados em nome do progresso. E mulheres teriam direito sobre o próprio corpo.
Não vivemos uma ditadura gay, feminista, negra. Isso é bobagem. Nem chegamos a dar a eles status de cidadania plena. Você acha que ridicularizar minorias e se ajoelhar diante de ricos e poderosos é ser destemido? Como é que se chama mesmo aquele que bate só nos mais fracos?… Ah, lembrei: covarde.
A cabeça jovem que se deixou mofar repete mantras de terceiros e não tenta pensar por conta própria a partir de informações que absorveu somadas à sua vivência pessoal. Não pula o muro de casa e vai para o mundo entender o que está acontecendo, o que temos de bom, o que temos de ruim, o que mudar e para onde ir. Está feliz com o mundo que o algoritmo da rede social criou para ele, com o conforto de ver os amigos em consonância com o seu pensamento. Pois, a ignorância é realmente um lugar quentinho.
E ao terceirizar sua interpretação da realidade, torna-se massa de manobra, bucha de canhão ou qualquer adjetivo bem fuleco para designar os que, no desejo de mudarem o mundo para melhor, devolvem-no para onde ele estava antes, fazendo o jogo de quem sempre esteve no poder.
Você pode achar que estou falando besteira. Aliás, espero que não concorde com tudo o que eu escreva.
Mas, sei lá, dá uma olhada nos livros de História. E veja se o comportamento que você adota diante do seu semelhante e dos direitos dele é algo novo ou o mesmo que os donos do poder político, econômico e religioso faziam nas últimas centenas de anos. Se for, fica a dica: talvez seja a hora de você dar aquela refletida solitária se você é realmente dono da sua cabeça ou estão conduzindo ela por você.