Pataxós são donos de área na Bahia onde há pousadas de luxo, diz Funai

Por Mário Bittencourt, para a Folha

Uma faixa litorânea no sul da Bahia, onde há pousadas de luxo, fazendas e praias intocadas, poderá ter um novo dono nos próximos meses: os índios pataxós.

A Funai (Fundação Nacional do Índio) delimitou como território indígena pataxó uma área de mais de 28 mil hectares (equivalente a 20% do município de São Paulo), onde há 78 propriedades. Informações sobre os limites do território foram publicadas na semana passada no “Diário Oficial” da União.

A nova área indígena, denominada Comexatibá, está localizada nos arredores do balneário de Cumuruxatiba, vila de pescadores no município de Prado (a 794 km de Salvador), que desponta como destino turístico no Estado.

Um dos principais empreendimentos da região é o Tauana Hotel, projetado por uma arquiteta portuguesa que investiu há dez anos R$ 5 milhões no local. A diária já chegou a custar R$ 1.800, mas hoje a hospedagem está restrita a convidados dos proprietários.

Os empreendimentos da região oferecem estrutura como “cabanas” de 130 metros quadrados próximas ao mar, piscinas, bibliotecas e salas de ginástica próprias.

O dono da Pousada Rio do Peixe, Luiz Polaco, que investiu R$ 3,5 milhões no negócio, diz que já contratou um antropólogo para fazer a contestação da delimitação. “Temos como provar a cadeia sucessória das posses dos terrenos, que têm mais de 100 anos”, afirma.

O sul da Bahia vive há anos um clima de tensão devido à disputa agrária, com invasões de terra por indígenas e acusações sobre ações de pistoleiros contra os índios. Em julho, a Justiça Federal determinou a reintegração de posse de duas fazendas na região –outras 12 estão invadidas pelos índios.

O gerente do Tauana Hotel, Jacob Ferreira, diz que há a delimitação deixou a todos apreensivos. “Os índios já invadiram várias fazendas ao redor do hotel. Nunca entraram aqui, onde quase a metade dos 25 funcionários é indígena.”

PARQUE NACIONAL

O documento publicado no “Diário Oficial” é o segundo passo para regularizar a terra indígena. Os interessados em contestá-lo têm prazo de 90 dias. A seguir, a Funai terá dois meses para novos argumentos e o Ministério da Justiça decidirá se segue com a regularização ou não.

A antropóloga Leila Sotto-Maior, responsável pelo laudo que gerou a delimitação, argumenta que registros do século 16 faziam referência aos pataxós na região e que, em 1861, os indígenas já estavam estabelecidos nas margens do rio Corumbau, na atual área em disputa.

“Em sua maioria, os índios eram obrigados a assinar a venda da posse por valores irrisórios ou em troca de ‘mulas cegas e animais velhos’. No caso de não concordarem, eram ameaçados de morte, espancados e violentados”, afirma.

Dentro da área delimitada pela Funai, também há 26 km de praia quase deserta, uma parte de um parque nacional e um parcela de um assentamento do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), criado em 1987. Uma tentativa de conciliação está em andamento na Advocacia Geral da União, sem resultados.

O chefe da unidade de conservação, chamada Parque Nacional do Descobrimento, Geraldo Machado, reclama que índios degradaram áreas dentro do parque. Dados do IBGE de 2013 apontam que a população pataxó é de 13.588 pessoas, que vivem em seis terras indígenas.

“Nosso povo sempre habitou aqui essa área [delimitada pela Funai]. Meu bisavô contava histórias dos nossos antepassados, dos nossos costumes. Ele me ensinou muito segredo da mata. Quando era criança via muita madeira sendo tirada da mata por grandes caminhões, era uma tristeza só”, diz a cacique Jovita de Oliveira.

Destaque: Hotel construído na Terra Indígena reconhecida como Pataxó

 

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