Articulação Nacional de Agroecologia – ANA, na Asa
Foi lançado no último dia 15, no Maranhão, uma cartografia que mapeia os babaçuais nos quatro estados de atuação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Para falar sobre a importância desse trabalho conversamos com Francisca da Silva Nascimento, coordenadora geral do MIQCB, que também contou a história do movimento.
A quebradeira fala sobre as reivindicações da organização, os avanços e desafios no acesso às políticas públicas que atendem esse segmento, além da organicidade do próprio movimento. Para ela, com esse novo documento será possível exigir do governo os direitos das mulheres com mais fundamento. A questão fundiária, em sua opinião, continua sendo o maior problema na região pela falta de moradia e acesso aos babaçuais por parte das mulheres.
Por que e em que região se formou o movimento das quebradeiras de coco? O MIQCB iniciou em 1991 pela necessidade de se organizar as mulheres, porque elas viviam sofrendo ameaças e não tinham acesso ao babaçual. Muitas companheiras morreram por conta disso, daí a necessidade de se criar um movimento. O MIQCB atua em quatro estados (PA, TO, PI e MA), são seis regionais com quatro coordenadoras e uma assessoria. A ação do movimento é organizar as mulheres quebradeiras de coco para lutar pelos seus direitos, preservar os babaçuais e a natureza, além do acesso às suas moradias. Lutamos pelos nossos direitos reivindicando novas políticas.
Por que o movimento é composto só por mulheres?
Esse foi um objetivo das mulheres quebradeiras de coco. Tem alguns homens envolvidos nos grupos de base, mas na coordenação e na assessoria não. Porque antigamente o homem saia para trabalhar e a mulher ficava em casa, e quando o patrão chegava ou mandava seu capanga quem sofria era ela porque colhia o coco. Ela quem estava na quebra do coco, daí a necessidade de criar o movimento de quebradeiras para preservar as mulheres. Não significa que não preserve o homem, mas a mulher está em primeiro lugar. Quando se preserva a mulher, o homem também está sendo resguardado.
Vocês têm alguma relação com o movimento quilombola?
Temos quilombolas, quebradeiras de coco extrativistas e agricultoras, mas o objetivo é quebradeiras de coco que fazem parte do movimento. Embora você faça outra atividade da agricultura familiar, você também é movimento.
Desde essa origem o que mudou em relação à questão fundiária que é central na luta de vocês? Porque muitas vezes os babaçus estão abandonados em propriedades privadas e sem acesso, certo?
Nossa necessidade veio por meio da terra, porque a gente não tinha. Muitas delas no Maranhão, Pará e Tocantins não têm acesso a terra, esse é o grande desafio das quebradeiras de coco. Para se desenvolver a agroecologia tem que existir a terra, a legalização dos territórios e reservas é uma das nossas reivindicações. Houve avanço, mas nem tanto. Uma das coisas que parou de quatro anos para cá foi a reforma agrária, e estamos tentando resgatar.
Quais são os produtos do babaçu e quanto ele movimenta de renda ao movimento?
As quebradeiras não vivem só do babaçu, ele é um complemento na renda. Vivemos também da agricultura familiar. Tem dados do IBGE dizendo que hoje são 400 mil mulheres nesses quatro estados em 18 milhões hectares de babaçual, que vivem desse fruto. Não temos um dado específico de quanto a renda tem crescido, varia de acordo com a quantidade que a mulher quebra, o acesso, etc. Muitas terras do babaçu estão em fazendas e propriedades privadas, então temos essa grande dificuldade e por isso continuamos lutando por uma Lei Nacional de Livre acesso ao Babaçual. Com essa lei garantida, teremos vários direitos garantidos também. A renda mensal da quebradeira varia de R$ 300 a R$ 400 por mês, e isso depende também do preço da amêndoa: não só de tê-la, como também do valor agregado ao produto. Se ela faz o óleo ou a massa, por exemplo, a renda aumenta também. Hoje temos pequenas agroindústrias que processam, então já agrega um valor e pode aumentar a renda.
O MIQCB tem avançado nesses projetos coletivos, como as cooperativas?
Uma das nossas ações é organizar as mulheres para trabalhar o coletivo, e em cada regional temos grupos coletivos para produção e venda. Temos um cooperativa pela necessidade de se vender, de acessar o mercado institucional. Já conseguimos um acesso melhor ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), e a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM-Bio). Também já vendemos para fora do país, então essa cooperativa tem melhorado bastante a questão da renda com essas vendas. Temos o óleo, a farinha, o sabão, o sabonete, além do artesanato que hoje também é trabalhado por grupos de jovens. O azeite, que já é o produto pronto, vendemos ao PNAE. Do mesocarpo é feito o mingau, bolo, biscoito, sorvete, pizza, macarrão, o pãozinho de ló, então tudo isso se vende ao PNAE e PAA. Tudo é renda que extraímos do babaçu.
Você falou da lei de acesso aos babaçuais reivindicada pelo movimento, mas nalguns estados já ocorreram avanços, não?
Só temos um estado com a lei estadual, e sete municípios no Pará e Maranhão. Mas essa lei estadual no Tocantins não vem sendo seguida de acordo com o que esperamos. O próprio governo não a respeita, pois queremos que o direito de acessar seja apenas das quebradeiras de coco. Porque muitos se aproveitam da lei para pegar o coco e vendê-lo inteiro, e na lei não diz isso. Se aproveitam de uma lei que dá livre acesso, e a gente está sofrendo.
E o que motivou o lançamento dessa cartografia?
É um grande avanço, porque está fazendo o mapeamento das áreas de babaçuais nos quatros estados que o MIQCB atua. Existe um mapa do governo dizendo que nesses estados onde tem babaçual está coberto de vermelho, como se esta floresta fosse inexistente ou estivesse devastada. Mas na realidade é o contrário: existem sim as quebradeiras de coco e babaçuais, mas muitos deles estão em propriedades privadas. As pessoas não utilizam esses babaçus, colocam veneno, queimam, derrubam as palmeiras para plantar capim para a criação de gado. Devastam tudo. Então vamos lançar esse mapa na sexta-feira (15), no Maranhão. Chamamos vários jornalistas para divulgar esse lançamento, eles vão chegar no dia 11 para fazer um trabalho de campo e depois a apresentação do mapa.
Qual o objetivo dessa iniciativa?
Com o mapa queremos dizer ao governo que existe a floresta de babaçu sim, e que nós quebradeiras de coco estamos lá. Se tem as quebradeiras de coco é porque tem babaçu, e se tem babaçu é porque tem as quebradeiras de coco. A cartografia é apoiada pela Fundação Ford, e identifica grandes problemas nessas áreas de babaçuais que muitas vezes não conseguiríamos. É feito pelas universidades através de satélite nos estados, só está faltando o do Piauí. Mas não está totalmente fechado, porque será lançado na Marcha das Margaridas.
Um dos grandes problemas que descobrimos e achávamos que estava distante é a questão do agronegócio: a plantação de soja, eucalipto, cana, etc. Estamos nos deparando com muitas situações agravantes, e na cartografia mapearam tudo isso. O agronegócio está muito forte no Tocantins e no Maranhão, e esse trabalho mostra a privatização do babaçu. Tudo o que a gente vê de grandes problemas que afetam as quebradeiras e comunidades tradicionais está na cartografia. É um grande documento para dialogar com o governo, discutir o que queremos, está nos afetando e o que deve ser resolvido. Essa construção é muito importante para nós.
O PAA e PNAE são mais da agricultura familiar, e como é o diálogo nas políticas extrativistas?
Quando se fala de projetos extrativistas ainda está muito longe da nossa realidade: não chega. Dizem que tem Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) para o extrativismo, mas a gente não consegue acessar em nenhum estado. Vamos ao banco e não sai nada diretamente do extrativismo para as quebradeiras de coco. Temos que construir, inclusive, essa coisa mais voltada para o extrativismo no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). Mais direcionada, onde a gente sinta que estamos ali.
O Planapo atendeu de alguma forma o movimento das quebradeiras?
Tem atendido em pequenas partes, mas não só para as quebradeiras e sim mulheres de assentamentos que são de territórios das quebradeiras de coco. O Brasil Sem Miséria, por exemplo, chegou para nós. Não foi em todos os estados, mas no Piauí chegou outro projeto para criação de galinhas. São essas políticas pequenas que chegam, mas nada muito avançado. Não temos nenhuma ação de capacitação, por exemplo, nem Assistência Técnica de Extensão Rural (Ater). Esperamos que o novo plano avance mais isso, chegue até as quebradeiras de coco com um olhar diferente do governo, que seja mais direcionado no extrativismo.