Os fãs de história e dos filmes épicos, aqueles que contam histórias do arco da velha ainda atuais, lembram-se do ator hollywoodiano, Brad Pitt, que encenou o papel de Aquiles no filme Tróia (2004). Aquiles, segundo a mitologia, foi o herói que trocou a vida a longa pela glória da guerra. Ele também foi o modelo arquetípico dos meninos na Grécia antiga, pois a pedagogia grega, a paidéia, foi estruturada a partir de sua imagem mítica.
Outra herança grega, que ainda resiste ao Eduardo Cunha (PMDB), é a democracia. Na cidade de Atenas, fundada pela tribo dos Aqueus, uma das principais instituições da democracia era a grande assembleia, chamada de Bulé, que deliberava sobre os assuntos mais importantes da cidade, a pólis. Esta assembleia, remédio encontrado para combater a tirania, era frequentada somente por homens ligados ao comércio ou descendentes das famílias aristocratas mais importantes.
Atenas e Jerusalém foram o modelo que orientou as instituições e os preconceitos do ocidente, dizia meu professor de história. Foi preciso mais de dez anos de ensino e pesquisa para descobrir que o professor e a sua cartilha estavam enganados. Explico. Descobri, recentemente, que o costume de reunir assembleia comunitária para discutir problemas, bolar soluções, encaminhar petições, beber vinho (de milho), continua ocorrendo em sociedades de tradição oral, exatamente como faziam as tribos dos Aqueus, Eólios e Jônios, reunidos na colina do Areópago.
Há poucos dias atrás, entre 16 e 19 de julho, na cidade de Paranhos, MS, tive a oportunidade de participar, como observador, de uma destas assembleias. O nome, porém, foi traduzido na língua franca da fronteira, o idioma guarani. A transposição, após mais de dois mil e quinhentos anos, ficou assim: bulé virou Aty Guasu e pólis transformou-se em tekohá. Estes Guarani e Kaiowá são realmente inovadores, pois, como escreveu Bartomeu Meliá, apontam para o futuro, sem esquecer de onde vieram e quem são.
Durante a reunião, a aty guasu, grande conselho do povo Guarani e Kaiowá, cantaram, rezaram, dançaram, chamaram os jovens, deram a palavra às mulheres, convidaram o prefeito, juiz, deputado federal, envolveram professores, acadêmicos indígenas e até elaboraram uma carta à nação brasileira.
Para entender o que estava vendo, precisei conversar com o jesuíta Antonio Ruiz de Montoya. O padre contou-me que ouviu o termo Aty entre os Guarani da região do Rio Paraná em 1639. Usavam esta palavra para dizer ajuntamento, amontoado. Fui entrevistar também o professor Antônio Brand, que me contou terem estas assembleias ressurgido na década de 70, a partir da aldeia de Porto Lindo, entre os municípios de Iguatemi e Japorã. Naquela época tinham a finalidade de organizar as roças comunitárias segundo o sistema de mutirão, chamado por eles de potirõ. De lá para cá, não pararam mais. No entanto, após o assassinato de Marçal de Souza (1983), o tema da violência e do genocídio tomou conta da maior parte dos debates.
Voltando à assembleia, a dos Guarani, não a dos gregos, circulei dois dias entre os participantes. Observei que bebiam mate, tereré, conversavam, riam e reencontravam os parentes de outras aldeias. Meu objetivo, confesso, como professor de história, era encontrar Helena e Aquiles. Helena eu encontrei, descobri que mora na aldeia Limão Verde, em Amambai – MS. Aquiles eu não vi, mas desconfio que seja ele nesta fotografia, pois carregava na mão um instrumento antigo e sagrado de guerra, o maracá.
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* Neimar Machado de Sousa é doutor em educação e professor de geo-história colonial na Faculdade Intercultural Indígena, FAIND/UFGD, onde coordena o Serviço de Documentação sobre os Povos Indígenas.