Por Eduardo Amorim, do Núcleo de Comunicação do Centro Sabiá, em ASA Brasil
O Ocupe Campo-Cidade foi realizado em abril de 2015 pelo Movimento Ocupe Estelita e por diversos movimentos e organizações do campo e da cidade. O protesto, de forma lúdica, tentou chamar atenção para questões que unem as lutas urbanas e rurais. Mas, afinal, o que une espaços tão diferentes de atuação política?
Presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Maria Emília Pacheco, esteve no Recife para participar da Conferência Municipal da temática e tem uma visão bastante interessante. Ela faz um debate que une diversas das bandeiras que foram levantadas pelas cerca de cinco mil pessoas que foram ao Cais José Estelita, área do Recife que está ameaçada pela especulação imobiliária, naquele 12 de abril, mas que poucas conseguiriam enxergar de uma forma tão convergente.
Para ela, a defesa da agricultura agroecológica e da defesa das pequenas propriedades rurais em áreas urbanas ou próximas aos grandes centros urbanos precisa ser assimilado mais fortemente pelos movimentos que lutam pela reforma urbana, na ótica da presidenta do Consea. “É possível e necessário repensar o direito à cidade e incluir numa das suas funções sociais o direito à alimentação”, considera a presidenta do Consea, que também atua como assessora da Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional).
Apesar de morar no Rio de Janeiro, Maria Emília fala de questões práticas que podem facilmente ser transpostas para outras regiões metropolitanas. As cidades precisam ter ambientes alimentares e as feiras agroecológicas precisam ser vistas como equipamentos públicos de alimentação e nutrição, assim como os restaurantes e cozinhas comunitárias. Mas é preciso entender que os pescadores e agricultores estão sendo expulsos das áreas próximas às grandes cidades, pois se tornaram vítimas preferenciais da especulação imobiliária.
Esse debate tem sido feito pontualmente. Nas denúncias das remoções das famílias vítimas de obras como as da Copa em Pernambuco, que foram removidas em Camaragibe e São Lourenço da Mata. Ou no debate dos impactos ambientais e sociais causados por grandes obras como as do Porto de Suape. Mas jogar para longe das regiões metropolitanas essas pessoas (além de ter impactos sociais graves) dificulta a prática de um comércio solidário, baseado nos custos baixos da agroecologia e na proximidade dos sítios e granjas das áreas onde os agricultores e agricultoras vendem seus produtos.
“Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar” é o lema da Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Para Maria Emília, o processo de preparação nas cidades e estados pode servir para que o movimento da reforma urbana entenda a necessidade de incluir essa pauta nas suas discussões.
Politicamente, ela acredita que a união dessas duas plataformas é importante para fortalecer os dois campos de luta. Uma experiência positiva é a de Santarém, no Pará, onde foram criadas zonas especiais de segurança alimentar, garantindo um cinturão verde na cidade para frear a especulação imobiliária e também viabilizando a continuidade da prática da agricultura familiar e agroecológica. Funcionando isso, ganham também os moradores da cidade paraense, que podem adquirir produtos sem agrotóxicos e que possivelmente serão vendidos a preços mais baratos, por serem comercializados nas proximidades da área urbana.
No Recife, no entanto, a situação não é nada positiva. Presidente do Conselho Municipal de Segurança Alimentar, Luiz Sebastião, conta que nem mesmo os programas federais para beneficiar os agricultores/as agroecológicos estão sendo plenamente executados. “Estamos constituindo um plano de adesão ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)”, relata ele. Por outro lado, o percentual de aquisição de comida feita pela agricultura familiar para as escolas, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), ainda está muito abaixo do ideal.
A capital pernambucana ainda não tem Plano Municipal de Segurança Alimentar e também não regulamentou a lei nesta área, apesar de recentemente ter aderido ao Sistema Nacional. Para a presidenta do Consea, no entanto, é preciso olhar para o futuro. Garantir, por exemplo, a permanência dos agricultores e agricultoras que agora estão ameaçados pelas obras que serão realizadas para criação do arco metropolitano, uma via que irá ser construída através de Parceria Público Privada passando ao largo da área urbana recifense para ligar Suape à nova fábrica da Fiat, em Goiana.
Certamente, não será sem luta que serão preservados e garantidos os direitos dos agricultores e agricultoras que desejam permanecer próximos aos grandes municípios. Mas entender globalmente esse processo é um início. Assim como discutir a segurança alimentar e o direito à cidade de forma que consigamos sensibilizar as pessoas por símbolos tão importantes quanto casa e comida.
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Imagem: “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar” é o lema da Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional | Foto: Arquivo Centro Sabiá
Ações para promover a reforma agrária e agricultura familiar devem ser realizadas.