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Têm sido frequentes, em cidades do interior de São Paulo e de outros estados, decisões judiciais que proíbem a entrada em shopping centers de adolescentes desacompanhados de pais ou responsáveis, em determinados horários e dias da semana. A justificativa é impedir a realização dos chamados “rolezinhos”, que de acordo com os donos desses estabelecimentos promovem “atos de vandalismo” e “causam terror aos clientes”.
Isso já aconteceu, por exemplo, no Franca Shopping, na cidade de Franca, e no Plaza Avenida Shopping, em São José do Rio Preto. Também em Uberaba, interior de Minas Gerais, o Praça Uberaba Shopping Center conseguiu uma liminar da Justiça para impedir a entrada de grupos de adolescentes.
Em Ribeirão Preto, uma portaria expedida por juiz da Vara da Infância e Juventude proibiu, em março deste ano, a entrada em centros comerciais da cidade de adolescentes com menos de 15 anos desacompanhados dos pais ou responsáveis, impedindo os jovens de frequentar estabelecimentos como os shoppings Santa Úrsula e Ribeirão Shopping.
Ainda em março, a Defensoria Pública entrou no STJ com pedido de habeas corpus coletivo contra a medida, sem sucesso. O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça, que em junho, finalmente, suspendeu a portaria por entender que se tratava de um desrespeito aos direitos de crianças e adolescentes.
A realidade é que em muitas cidades do país, não apenas nessas, aconteceu nas últimas décadas um movimento intenso de migração dos espaços comerciais e de lazer para o interior dos shopping centers, com o correspondente esvaziamento crescente dessas mesmas funções nas ruas e praças das cidades. Some-se a isso a total inexistência de investimentos na qualidade urbanística dos espaços públicos da maior parte dos bairros de nossas cidades – sobretudo nas periferias – e o resultado está aí: a eclosão de um conflito no interior dos shoppings sobre quais são as formas permitidas – ou proibidas – de se divertir, e quem tem ou não o direito de usar esses espaços.
Na teoria, os shoppings são espaços privados de uso público, portanto, abertos a todos. Mas a prática é outra: podem usá-lo certas pessoas, e de certas formas….
A forma shopping ganhou a cultura urbana de tal maneira – na ausência de outras configurações de espaços de trocas, inclusive comerciais, e de encontros não mediados pelo consumo – que virou “o” lugar de lazer nas cidades. E é exatamente ocupando esses lugares que a cultura dos shoppings é celebrada, inclusive por esses jovens, que buscam no espaço do shopping o lugar de encontro, de diversão e promoção de “zoeira”…
Já temos legislação de sobra para punir atos de vandalismo – praticados em shoppings ou em qualquer outro lugar das cidades.
A proibição da entrada de jovens adolescentes das periferias das cidades é, portanto, de outra ordem . O fato é que o projeto shopping center já nasce como um projeto segregador – em tese ele dá segurança e conforto aos seus frequentadores, que ali estariam livres dos perigos da rua – justamente da presença desse “outro” que ameaça e assusta. A lógica do shopping, definitivamente, não comporta o rolezinho.
A guerra judicial em torno desses eventos tem a ver com isso, e as decisões de proibir a presença de adolescentes ignora por completo o conjunto de questões presentes nesse conflito, protegendo unicamente os interesses econômicos dos proprietários dos shoppings, como bem destacou a Comissão de Direitos Infantojuvenis da OAB SP, que se posicionou contra tais decisões.
Ninguém está lá muito preocupado com a qualidade das cidades que estamos construindo para nossas crianças, jovens ou idosos, que espaços de sociabilidade lhes estão sendo oferecidos, e, afinal, por que adolescentes metem medo…
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Imagem: Reprodução do Blog Habitat, do Portal Yahoo!