Há farta produção científica e acadêmica indicando a correlação entre a exposição a agrotóxicos e o surgimento de doenças crônicas
Por Leomar Daroncho
Da Carta Maior / MST
Em meio à pressão e à urgência econômica pelo crescimento da produção agrícola, a sociedade brasileira precisa discutir um grave problema que ameaça tanto a presente quanto as futuras gerações: os agrotóxicos. Os dados disponíveis acerca do colossal volume utilizado, e suas consequências para a saúde pública, especialmente em Mato Grosso, recomendam que o tema seja enfrentado imediatamente.
Há farta produção científica e acadêmica indicando a correlação entre a exposição a agrotóxicos e o surgimento ou elevação dos índices de doenças crônicas. É assustadora a projeção de 500 mil novos casos anuais de câncer no Brasil, sendo o contato com agentes cancerígenos importante fator do agravamento dos números.
No início de 2015, o Instituto Nacional do Câncer – INCA publicou um alerta indicando os malefícios do uso intensivo de agrotóxicos. Além das intoxicações agudas, que afetam principalmenteas pessoas expostas em seu ambiente de trabalho, causando irritação da pele e olhos, coceira, cólicas, vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, convulsões e morte; o estudo assinala a relevância das intoxicações crônicas, que também prejudicam toda a população.
A exposição crônica decorre do consumo de alimentos ou da contaminação do ambiente em dose baixas, porém constantes. O INCA alerta que os efeitos adversos resultantes dessa exposição podem aparecer muito tempo depois, dificultando a correlação com o agente. Dentre os efeitos associados, o instituto cita infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer.
As informações, de extrema gravidade, foram confirmadas em março de 2015 pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC). A agência publicou estudo indicando que, após a avaliação do potencial cancerígeno (carcinogenicidade) de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos, pesquisadores de 11 países classificaram alguns dos herbicidas e inseticidas mais utilizados no Brasil como prováveis agentes carcinogênicos para humanos.
De outro lado, o Brasil detém, desde 2009, o indesejável título de maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com o índice de 5,3 litros por habitante/ano. Mato Grosso, por sua vez, é o principal consumidor dentre os estados brasileiros: o índice é de 45 litros por habitante/ano. Em algumas regiões de nosso estado, esse número se aproxima do consumo anual de 400 litros por habitante!
Outro fato extremamente preocupante é que o Brasil ainda realiza pulverizações aéreas. Essa técnica, por vezes utilizando agrotóxicos já proibidos em outros países, ocasiona a dispersão de substâncias tóxicas pelo ambiente, contaminando amplas áreas e atingindo populações indefesas, inclusive urbanas.
Também chama a atenção a isenção de impostos que o país continua a conceder à indústria produtora de agrotóxicos, um grande incentivo ao seu fortalecimento, que vai na contramão das medidas protetivas adotadas por outros países.
O problema é complexo. E é urgente conhecê-lo e discutir medidas de proteção e alternativas ao modelo, que passam pela reorientação da pesquisa e do financiamento, que devem incorporar o princípio da precaução e da redução de danos.
Nesse contexto, é de vital importância a difusão de conhecimentos proporcionada pelo Dossiê da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva, que realizou dois eventos em Mato Grosso no mês de julho de 2015 (Cuiabá e Rondonópolis), com pesquisadores do INCA, da Fiocruz e da UFMT.
Na mesma linha, muito oportuna a mobilização do Comitê Multi-Institucional do Sistema Judicial de Mato Grosso, que elegeu a cidade de Campo Verde, um dos locais de mais intenso consumo no estado, para a realização da primeira de uma série de audiências públicas sobre o impacto dos agrotóxicos em MT. É grande a expectativa para o evento, programado para o dia 4 de agosto de 2015, às 8h30, no Plenário do Júri do Fórum da cidade.
O silêncio em relação aos impactos dos agrotóxicos, como alertado pela pioneira Rachel Carson, em 1962, na obra Primavera Silenciosa (Silent Spring), atua contra as chances de que todos nós tenhamos a possibilidade de uma vida saudável.