Luan Martendal, UFSC
Agrotóxico mais vendido no Brasil, o glifosato pode estar relacionado ao aparecimento de doenças como câncer, depressão, Alzheimer, diabetes, autismo e mal de Parkinson, conforme o parecer técnico N. 01/2015, produzido por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O herbicida e outros cinco ingredientes estão na lista de agrotóxicos que devem passar por reavaliação toxicológica até setembro, conforme determinado pela Justiça Federal no dia 25 de junho deste ano. Atualmente, o princípio ativo é considerado pouco perigoso aos humanos e ao meio ambiente, segundo classificação dos órgãos reguladores nacionais – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A análise técnica acerca dos riscos associados ao herbicida foi desenvolvida por Sonia Corina Hess, professora de Engenharia Florestal e Agronomia do campus Curitibanos, e Rubens Onofre Nodari, professor de Agronomia e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Recursos Genéticos Vegetais da UFSC, em Florianópolis. A revisão bibliográfica ocorreu durante dois meses e levou em consideração pesquisas nacionais e internacionais publicadas nos últimos seis anos. O parecer foi divulgado no dia 23 de maio e enviado ao Ministério Público Federal (MPF) com o objetivo de reafirmar a necessidade de uma reavaliação imediata dos registros de produtos à base de glifosato.
Segundo o documento, dados do Ibama mostram que há sete anos o Brasil lidera o mercado de agrotóxicos do mundo e, em 2012, foi responsável por 19% das vendas mundiais desses produtos. A comercialização dos ingredientes ativos no país atingiu a marca de 495.764,55 toneladas em 2013, conforme o último Boletim Anual sobre Produção, Importação, Exportação e Vendas de Produtos Agrotóxicos do Ibama. O relatório, atualizado em setembro de 2014, apontou ainda que o glifosato e seus sais lideram o ranking de princípios ativos mais vendidos no país, com 185.956,13 toneladas.
O glifosato é utilizado sobretudo na agricultura para matar plantas denominadas de invasoras de culturas de transgênicos [organismos vivos geneticamente modificados, principalmente, para apresentar resistência às pragas ou resistir a aplicação de herbicidas], além de ser usado como dessecante [produto capaz de agilizar a secagem da planta] para facilitar a colheita de grãos como soja e trigo. Para Sonia Hess, a classificação toxicológica feita pelos órgãos reguladores nacionais considera os efeitos agudos e não os efeitos crônicos do herbicida, podendo prejudicar a identificação de alterações causadas ao meio ambiente e aos humanos.
“Em uma escala que varia de 1 (extremamente tóxico) a 4 (pouco tóxico), ele é ‘classe 4’ pela legislação atual e, até então, não se sabia muito sobre os efeitos do glifosato. As publicações são recentes e a partir de 2009 começaram a aparecer os primeiros estudos mostrando seus efeitos tóxicos e demonstrando que ele é extremamente perigoso à saúde”, explica a pesquisadora.
De acordo com a parecerista, o objetivo do trabalho é alertar as pessoas em relação ao uso incorreto do glifosato e demonstrar com clareza e acuidade científica os riscos do herbicida. “O seu banimento, em função dos efeitos tóxicos, tem sido descrito em vários artigos científicos. Mal de Alzheimer, depressão, câncer, infertilidade, problemas de má formação em crianças, até autismo e neurotoxidade, eram todos aspectos que não se conheciam e que agora estão sendo demonstrados. Muitos dos problemas que o glifosato causa são por que ele interfere na atividade das bactérias que ajudam o nosso corpo, ele mata as bactérias”, completa.
Contaminação
O parecer técnico aponta que a quantidade necessária para causar efeitos na saúde é muito baixa. Os pesquisadores demonstram que quando aplicado nas lavouras e utilizado como dessecante, o principio ativo contamina a planta e consequentemente os alimentos, que podem apresentar teores variados de glifosato. “As concentrações que a literatura descreve são muito baixas e têm efeito biológico intenso. Isso é grave já que no momento que se trata trigo, milho, soja, com esse dessecante, o alimento é contaminado e não existe uma forma de limpar e retirar o produto. Até os animais, que servem de alimento para o ser humano, estão sendo contaminados”, explica Sonia.
Ela destaca que o ingrediente ativo também pode causar danos ao solo e à água. “A produtividade agrícola está sendo ameaçada. Ele afeta o ecossistema agrícola de forma muitas vezes até irreversível, pois o solo é um material vivo e o glifosato mata todas essas bactérias, prejudicando sua fertilidade. Muitas cidades também já estão apresentando análise de água contendo resíduos do herbicida”, conclui.
No dia 20 de março, em Lyon, na França, o glifosato foi inserido na lista de prováveis cancerígenos para os seres humanos pela International Agency for Research on Cancer (IARC), ligada à Organização Mundial de Saúde (OMS), na categoria 2A. A classificação feita por 17 especialistas de 11 países é a mesma utilizada para esteróides anabolizantes, por exemplo. A divulgação também reforça o debate em torno da reavaliação da toxidade do glifosato pela Anvisa, o Ibama e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Mortes comprovadas
Uma petição do MPF enviada à Justiça há três meses confirma dezenas de mortes provocadas pelos componentes dos produtos usados na agricultura brasileira, incluindo o glifosato. No documento, o procurador da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes cita relatórios dos Centros de Informações e Assistência Toxicológica do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os três estados contabilizaram 88 mortes, entre 2009 e 2013, por “exposição aguda aos ingredientes dos agrotóxicos”. O mesmo requerimento indica que seja concluída com urgência a reavaliação toxicológica do glifosato e recomenda o banimento do herbicida no mercado nacional.
O procurador aponta ainda as estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e da OMS de que o câncer será a principal causa de óbitos no Brasil nos próximos cinco anos, parte deles em decorrência do aumento no uso de agrotóxicos.
A petição indica também que o MPF apresentou pedido aos 34 Centros de Informações e Assistência Toxicológica do país para que informem registros de eventuais intoxicações ocorridas, em 2014, que possam estar relacionadas à exposição a agrotóxicos que contenham os ingredientes ativos mencionados em ações movidas pelo órgão.