A mulher negra e o acesso à saúde

Por Lorena Morais, em População Negra e Saúde

Aguardei ansiosa pelo Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha para escrever sobre nós mulheres negras, principalmente as gestantes. Meu desejo é que esta reflexão valha não somente para hoje, mas para todos os dias.

A minha luta enquanto mulher negra começou quando consegui me observar e me entender enquanto tal. Hoje a responsabilidade é muito maior devido à criança que carrego no ventre e todas as escolhas que fiz e faço para minha gestação e parto.

Tudo começou com o seguinte questionamento: como se dá o acesso e tratamento da saúde à mulher negra gestante no Brasil? A partir daí fiz uma reflexão sobre o acesso à saúde de qualidade e os desafios que nós, mulheres negras, enfrentamos diariamente.

Pesquisei artigos científicos e busquei dados que justificassem minha dúvida e concluí que nos sistemas de saúde brasileiros – seja público ou particular – existe o racismo institucionalizado, que “sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações” (CRI apud Goes e Nascimento, p. 572, 2013).

SUS sem Racismo

Em novembro de 2014 o Ministério da Saúde lançou uma campanha contra o racismo no Sistema Único de Saúde – SUS, “SUS sem Racismo”, com o objetivo de conscientizar a população e os profissionais de saúde a respeito do racismo presente no atendimento médico. Os dados mostraram que existe uma diferença no atendimento entre mulheres negras e brancas com as seguintes estatísticas: mulheres negras recebem menos tempo de atendimento médico que mulheres brancas e compõem 60% das vítimas da mortalidade materna no Brasil. Em relação ao parto, somente 27% das negras tiveram acompanhamento, ao contrário das brancas que somam 46,2%, além de outras diferenças quando se trata anestesias, tempo de espera e informações pós-parto, como aleitamento materno.

Atendimento pré-natal da mulher negra

Durante a minha gestação vivi e ouvi relatos que constatam esta realidade. No meu primeiro atendimento médico pré-natal – particular – fui obrigada junto com meu companheiro a esperar a hora que o profissional quisesse chegar com a seguinte afirmação: “começa a marcar a partir de x horas, mas ele não tem hora pra chegar”. No atendimento me senti um lixo, pois ele mal me olhou e no momento que fiz alguns questionamentos me indicou remédios e não explicou quais mudanças que aconteciam no meu corpo que geravam as alterações. Ao sair chorei muito e disse que não era obrigada a me submeter a este tipo de atendimento.

Busquei outro profissional pelo SUS, muito frio no atendimento, receitou uma série de remédios e não respondeu as minhas dúvidas. Novamente procurei outro obstetra, neste caso particular, porém seu comportamento machista me inquietou muito no consultório. Ao mesmo tempo ouvi relatos de pacientes (negras) que confirmaram sua atitude e diziam que ele ainda as chamava de “gorda” e “feia”. Decidi que este profissional não merece meu dinheiro e nem meu bebê esta energia!

Por fim, o melhor atendimento que encontrei foi em uma Unidade Básica de Saúde, pelo SUS, com uma enfermeira, mãe, humanista, que respondeu e explicou as minhas dúvidas, ficou o tempo necessário comigo no consultório, entendeu e orientou humanamente minhas decisões para o parto.

Ao mesmo tempo em que passei por tudo isso, encontrei gestantes e parturientes negras que relataram momentos de sofrimento em hospitais, negligência, destrato, abandono, falta de orientações e um série de violências obstétricas das quais algumas estavam cientes, porém nada podiam fazer e outras desconheciam seus direitos e consideravam as atitudes médicas louváveis, como a episiotomia sem consentimento (corte na região do períneo) e manobra de Kristeller (expulsão do bebê subindo na barriga).

Desafios

“As desigualdades raciais determinam o acesso aos serviços de saúde e limitam o cuidado. Por intermédio do racismo, as desigualdades são causadoras de doenças e agravos que resultam nas iniquidades raciais em saúde. E, para as mulheres negras, outros fatores agregados, como o sexismo, expõem a uma situação de vulnerabilidade e violam o direito à saúde e ao acesso qualificado” (Goes e Nascimento, p. 578).

Penso que nosso desafio por uma saúde de qualidade e sem racismo/sexismo é grande. Estamos submetidas a esse tipo de atendimento principalmente devido a falta de informação e direitos. O que podemos fazer é divulgar a existência do racismo institucional e denunciar para que campanhas e ações estratégicas atinjam os profissionais e a população para que este fato não se torne invisível.
Minha contribuição enquanto mulher negra e atualmente gestante é mostrar que nós somos fortes o suficiente não para aguentar uma violência obstétrica, mas para sermos as protagonistas do nosso parto.

Fontes

GOES, Emanuelle; NASCIMENTO, Enilda. Mulheres negras e brancas e os níveis de acesso aos serviços preventivos de saúde: uma análise sobre as desigualdades. Saúde em Debate, vo.l 37, n. 99, Rio de Janeiro, 2013.
SUS sem Racismo, página no facebook. Disponível em: http://facebook.com/SUSnasRedes
ARRAES, Jarid. Mulher negra e saúde: “a invisibilidade adoece e mata!”. Revista Fórum Semanal, dezembro 2014. Disponível em: http://revistaforum.com.br/digital/176/mulher-negra-e-saude-invisibilidade-adoece-e-mata/

Lorena Morais é em jornalista baiana e proprietária da marca Encrespando.

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