Juliana Cézar Nunes e Mara Régia – Repórteres da EBC
My name is now. Meu nome é agora, na tradução livre, é, ao mesmo tempo, um documentário e o sentido da vida para a cantora e compositora Elza Soares. A artista é uma das homenageadas da edição deste ano do Latinidades – Festival da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha. A exibição do documentário sobre sua trajetória de superações e o seu novo show A Voz da Máquina abriram ontem (22) a primeira noite do festival. O evento vai até o próximo domingo (26), em Brasília.
Em entrevista à Radioagência Nacional e ao programa Viva Maria, da Rádio Nacional, veículos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Elza fala do novo trabalho e do que lhe motiva a subir aos palcos. Entusiasta das novas tecnologias e ritmos, ela quer misturar o samba com o “house” e levar música brasileira para a juventude. A “voz do milênio” pede mais arte e menos tapete vermelho no cinema. Elza cobra também a inserção de mulheres negras nas telas e diz que o racismo nas redes sociais é apenas a nova forma de manifestação do preconceito.
“Percebi o racismo com porta batendo na minha cara. Não tinha rede social. Aí você se pergunta: mas por que bateram a porta na minha cara? Não fiz nada. Fez, sim. Você nasceu negra. E é assim”, constata.
Confira trechos da entrevista:
EBC – O que representa pra você cantar em Brasília e ser homenageada pelo Festival da Mulher Afro-Latino-Americana e Caribenha?
Elza Soares – Agradeço muito por estar em Brasília, parece que estou vivendo aqui. Comecei a vir a Brasília desde o início da cidade. Tenho muito a ver com essa terra. E ser homenageada pelo festival de mulheres negras é um coroamento. Ainda mais para quem veio do planeta fome em um país tão rico. Quando a gente participa de uma coisa tão importante, uma coisa que é você, sua cara, sua vida, realmente coroa você. Me sinto orgulhosa de participar e estar presente.
EBC – Como tem sido a sua busca por novos ritmos e sonoridades expressas nos seus shows?
Elza – Tem sido muito fácil. Como my name is now, eu sou o agora, eu estou por dentro e gosto muito de fazer esse trabalho. É uma maneira também de levar compositores para essa juventude que não conhece a música brasileira. Até outubro teremos CD novo, feito por compositores de São Paulo, com o título Mulher do Fim do Mundo. Gosto desses desafios.
EBC – O festival também exibe um documentário sobre a sua vida. Como foi essa experiência?
Elza – Foi uma experiência muito boa. Fui buscar uma diretora mulher – a Elizabete Martins Campos. Muito melhor falar de mulher para mulher. Ela te entende melhor. O cinema brasileiro precisa de mais arte e menos tapete brasileiro.
EBC – Você acha que a televisão brasileira retrata de forma adequada as mulheres negras?
Elza – Quase não tem negro no país, né? Na televisão não aparece. Tá faltando mulher negra na televisão, programa de mulheres negras, mais mulheres negras falando. Mulher negra quando entra na novela vai fazer novela de época pra chamar nhá, nhó, sinhozinho. Não vejo mulher negra na televisão. É brabo isso.
EBC – Como você vê a situação da mulher negra hoje no país?
Elza – Temos avanços muito lentos ainda. O dia-a-dia ainda é nosso maior desafio. É de uma ignorância tão grande, uma estupidez ter que desafiar a cor. Dizem que tem política pública de combate ao racismo e a gente tenta acreditar nisso. Mas na sociedade vejo tudo muito encubado, por trás da cortina, por debaixo da mesa.
EBC – O caso da jornalista Maria Júlia Coutinho – a Maju, da TV Globo, que sofreu racismo nas redes sociais – é revelador desse preconceito?
Elza – Sim. É uma coisa que conheço demais. Não precisava ter redes sociais, internet. Percebi o racismo com porta batendo na minha cara. Não tinha rede social. Aí você se pergunta, mas por que bateram a porta na minha cara? Não fiz nada. Fez, sim. Você nasceu negra. E é assim.
EBC – Como você busca enfrentar esse preconceito no cenário da música, das gravadoras?
Elza – Hoje eu me articulo bem porque eu me imponho, e quando você se impõe você é bem recebida. Tem que saber onde pisa, a hora que pisa, como fala, com quem fala, é por aí. A vida foi feita nesse sentido. Se impondo, se posicionando, aí você chega bem.
EBC – O que te motiva a subir nos palcos e qual a música do seu ‘agora’?
Elza – A vida dá motivação pra tudo. O que me motiva é ela, meus filhos, meus amigos e as pessoas que acreditam em mim. São muitas as músicas da minha vida. Mas a música do meu ‘agora’ é A Carne. A carne mais barata do mercado é a carne negra. Que vai de graça pro presídio. E para debaixo do plástico. Que vai de graça pro subemprego. E pros hospitais psiquiátricos. A carne mais barata do mercado é a carne negra. Que fez e faz história. Segurando esse país no braço.
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Foto: A cerimônia de abertura da 8ª edição do Festival Latinidades, em Brasília, teve como destaque o show da cantora Elza Soares –