Vinicius Lisboa – Repórter da Agência Brasil
“A preocupação da mãe negra é permeada por uma concretude, uma materialidade. A cada momento que um filho seu sai [de casa], há aquela certeza de que ele pode ser morto”, disse a consultora da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) no Brasil, Maria Inês da Silva Barbosa, durante palestra hoje (23) na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em seminário comemorativo do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, no próximo sábado (25).
Ela abordou a necessidade de olhar as especificidades da população negra nas políticas públicas de saúde, de educação, de segurança, e deu o exemplo da mãe negra, que enfrenta um medo constante da violência contra seus filhos. Segundo a consultora da Opas, o médico que atende a mãe negra verifica que ela tem pessão está alta e pergunta se ela está tomando o remédio. Só que o médico não tem ideia dos medos que a afligem, ressaltou.
Maria Inês agradeceu a todas “as pessoas invisíveis” que permitiram a concretização do seminário, limpando os banheiros ou preparando o almoço. Pessoas que, na maioria das vezes passam despercebidas, e só são notadas quando surgem problemas a serem contornados. Ela defendeu a desnaturalização do olhar diante do racismo institucional, apontando os próprios quadros do auditório, que mostram 20 retratos de presidentes da entidade – nenhum deles mulher ou negro.
“Esse é um contexto histórico, é a nossa estrutura. Mas eu tenho que olha-lá para que ela deixe de ser natural. Eu não tenho, não posso, nem devo considerar isso natural. Há algo de errado aqui, e somos nós que temos que desfazer essa história. É nossa responsabilidade individual e coletiva”, disse Maria Inês.
A professora de Serviço Social da Universidade Federal da Bahia Magali da Silva Almeida ressaltou que a luta da mulher negra pela vida começou antes mesmo da escravidão e da diáspora forçada dos povos africanos. E essa luta continuou ao longo da história brasileira, pois a necessidade de atuar no espaço público, em funções desvalorizadas, deu às mulheres negras a capacidade de articular redes de resistência dentro de suas possibilidades.
“A resistência [da mulher negra] emerge não apenas do ponto de vista ideológico e das ideias. É corporificada, tem corpo, espacialidade, alegria, sofrimento”, diz Magali, que, com seus 38 anos de carreira acadêmica, destaca que a academia é um espaço hostil ao negro. No seu entender, “é preciso enfrentar o racismo institucional”, e salienta que não há como negar a presença do racismo. “Ela é inconteste, perene, sistêmica. A gente não tem outra alternativa se não lutar”, enfatizou.
Integrante do Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça da Fiocruz, Roseli Rocha, enumerou situações em que as mulheres negras são prejudicadas. Ela disse em sua palestra que as trabalhadoras negras ocupam as piores condições de trabalho e recebem as menores remunerações. São as que representam, majoritariamente, as categorias de trabalho doméstico, têm filhos ainda bem jovens vitimados pela violência e são também as maiores vítimas da violência doméstica e da mortalidade materna.
A artista plástica Deise Lilian Alves do Nascimento, conhecida como Delan, foi ao seminário expor e vender obras de arte em que conta a história dos orixás e resgata a iconografia africana. Para ela, a data é um dia de luta, de resistência da mulher e também negra. “Sofremos discriminação duas vezes. Garantir essa data é um movimento de resistência, de se reunir e discutir questões importantes. Se não nos organizarmos coletivamente não teremos força suficiente para mudar essa realidade de discriminação e violência”.