Daniel Mello – Repórter da Agência Brasil
A pressão contra a demarcação de terras indígenas é um dos principais temas discutidos durante a etapa local da Conferência Nacional de Política Indigenista (CNPI), que começou ontem (22) e vai até hoje (23) na Aldeia Tenondé Porã, em Parelheiros, extremo sul da capital paulista. Ficarão reunidos índios guaranis do Vale do Ribeira, litoral sul do estado, e da própria cidade de São Paulo. O encontro faz parte da preparação para as etapas regional (setembro) e nacional (novembro) do fórum, que pretende ajudar o movimento indígena a se articular para cobrar suas demandas.
Uma das maiores preocupações dos índios é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, de 2000. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto transfere para o Congresso Nacional a competência de demarcar as terras indígenas, que hoje é do Ministério da Justiça e da Presidência da República. Se aprovada, a alteração permitirá ainda modificar os limites de territórios já homologados. “Estamos passando por muita pressão para que não se demarquem mais terras indígenas no Brasil”, disse Marcos Tupã, um dos coordenadores do encontro.
Tupã atribui a PEC e outros projetos que tramitam no Congresso à ação da bancada ruralista, grupo de deputados e senadores que defendem os interesses do agronegócio. Em consonância com isso estão também o projeto de mineração em terras indígenas e outros projetos de lei que preveem “mudanças trágicas em relação a direitos já conquistados pelos índios”, afirmou.
A análise detalhada dos crimes cometidos contra os povos tradicionais durante o regime militar (1964-1985) é outra demanda dos índios. Marcos Tupã informou que, por isso, vai propor a criação da Comissão da Verdade Indígena, da qual os índios possam de fato participar, “porque as comunidades indígenas também sofreram perseguições e até a retirada de determinados territórios”.
Pesquisadores e representantes do Poder Público convidados pelos indígenas também participam do encontro, realizado em um barracão com chão de terra batida e bancos de madeira. Ao fundo, uma fogueira ajudava a aquecer o ambiente. A única fonte de luz da sala eram a porta principal, que permanecia aberta, mesmo com a garoa, além de uma pequena janela lateral.
Todas as decisões são tomadas pelos índios, que têm apoio material da Fundação Nacional do Índio (Funai). De acordo com o coordenador regional da Funai no litoral paulista, Cristiano Hutter, a fundação presta à organização do evento todo apoio de deslocamento e alimentação para viabilizar as oficinas locais, mas não opina em nada. “Deixamos a cargo do movimento indígena estabelecer as pautas”, disse Hutter.
A reunião ajuda a fortalecer a articulação dos povos, afirmou a líder da Aldeia Tenondé Porã, Jerá Guarani. “Para o Povo Guarani, mesmo separado em regiões diferentes, o significado da luta é um só: fortalecer o nosso modo de ser”, ressaltou uma das anfitriãs do evento.
Apesar da defesa das tradições, o movimento indígena também está aberto a mudanças para abrigar questões como o empoderamento das mulheres que começaram a entrar na política interna da aldeia, disse Jerá. “É recente. Na Tenondé, há alguns anos, só tinha uma, que era eu, na liderança. De resto, eram todos homens. E hoje nós temos oito mulheres [em cargos de] liderança.”
Na opinião de Jerá, as mulheres que têm liderança, muitas vezes, têm bom trânsito tanto dentro das comunidades quanto em relação aos não índios, o que fortalece a articulação. “[São] como as professoras, que entendem o guarani, mas também entendem a cultura dos não indígenas. Essas se colocam como protagonistas na luta pela terra”, explicou.
Edição: Stênio Ribeiro
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Imagem: Aldeia Tenondé Porã, zona sul de São Paulo (Foto: Carlos Penteado)