O desmatamento do Mato Grosso do Sul para o cultivo de soja e cana de açúcar está provocando o lento genocídio dos índios que moram no estado – denunciaram nesta quarta-feira, em Paris, membros do povo indígena Guarani-Kaiowá.
“Estamos aqui para pedir socorro e ajuda, não apenas pelas florestas e pela natureza, mas também pela vida”, afirmou em coletiva de imprensa Valdelice Veron, filha de um cacique guarani-kaiowá assassinado por um fazendeiro em 2003.
Assim como o pai de Valdelice, 299 índios da comunidade morreram nos últimos 10 anos em razão de conflitos gerados pela expansão das plantações.
“No Mato Grosso do Sul o sangue guarani-kaiowá está sendo derramado”, disse Valdelice, que é porta-voz do grupo, segunda maior população indígena do Brasil – com cerca de 45 mil membros distribuídos em 42 mil hectares.
Ameaçada de morte, ela viajou pela primeira vez para fora do país acompanhada pelo cacique Natanael Vilharva-Cáceres.
Os dois participaram na terça-feira da “Cúpula das Consciências”, um encontro de reflexão convocado pela França paralelamente às negociações para um acordo global sobre a mudança climática no final do ano.
Eles afirmam que estas mortes são perpetradas por milícias privadas contratadas por grandes proprietários de plantações de soja e cana.
“Estamos vivos, mas estão nos matando pouco a pouco e de várias maneiras”, afirmou o cacique Vilharva-Cáceres, que ostentava o tradicional cocar de plumas usado pelos guarani-kaiowás.
No banco dos réus estão as plantações extensivas de soja transgênica que prosperaram impulsionadas pela demanda massiva da China e das grandes empresas que exploram o “petróleo verde” dos agrocarburantes.
“A soja e o etanol que vocês consumem estão misturados com o sangue guarani-kaiowá”, disse Veron em Paris.
No final da década passada ocorreu uma explosão da demanda mundial de agrocarburantes como o etanol fabricado com cana de açúcar cuja produção se multiplicou por seis entre 2000 e 2010, passando de 19 milhões a 1 bilhão de metros cúbicos.
A ONG francesa Planète Amazone cita as multinacionais Raizen, Breyfuss, Bunge, Syngenta e a franco-suíça Louis Dreyfus Commodities por intermédio de sua filial Bioenergia, entre os “causadores da desgraça dos guarani-kaiowá”.
“Assassinatos, apropriação de terras, desnutrição, saúde precária, moradia insalubre, acidentes de trabalho e salários atrasados são questões de todos os dias para o povo guarani-kaiowá”, apontou a ONG.
– No gabinete de Dilma -O cacique Vilharva-Cáceres admitiu que a Constituição brasileira garante os direitos dos povos indígenas. “É apenas um papel, mas pelo menos está escrito”, afirmou o líder guarani, antes de denunciar vários projetos de emenda constitucional que ameaçam a perenidade destes direitos.
“A discriminação no Brasil é muito grande”, lamentou o líder. “A gente mal pode entrar num restaurante ou passear livremente pela rua”.
Valdelice Veron explicou que o processo de atribuição de terras aos índios é realizado em três etapas: a identificação antropológica, na qual devem dar provas de que as terras pertencem a eles, uma análise pelo Superior Tribunal Federal (STF), encarregado de redigir o decreto de demarcação, e o aval final da presidência.
“A presidente Dilma Rousseff é conivente com estes crimes porque há muito tempo que em seu gabinete estão 22 decretos de homologação esperam sua assinatura”, contou.
Os povos indígenas foram recebidos na segunda-feira no palácio do Eliseu, sede da presidência da França, pelo ativista ambiental Nicolas Hulot, emissário especial de François Hollande para a proteção do planeta e na tarde desta quarta-feira foram à Assembleia Nacional francesa.
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Foto: “Estamos aqui para pedir socorro e ajuda, não apenas pelas florestas e pela natureza, mas também pela vida”, afirmou em coletiva de imprensa Valdelice Veron (à esq), filha de um cacique guarani-kaiowá assassinado por um fazendeiro em 2003