Clarisse Jabur, CGIIRC/Funai
No último dia 08 de julho, a FUNAI recebeu pela primeira vez em Brasília um representante da etnia Hupd’äh, Américo Salustiano Socot, /Kä’/. Ainda foram convidados da reunião o Coordenador Regional do Rio Negro Domingos Barreto e seu Assistente Técnico André Baniwa, além dos pesquisadores Danilo Paiva Ramos (USP) e Henrique Junio (UFSCAR).
Também participaram como convidadas as consultoras Alba Lucy Giraldo Figueroa (SAGI/MDS) e Aline Guedes da Costa (SNAS/MDS).
As principais demandas apresentadas por Américo foram: servidor ou colaborador da FUNAI específico para o atendimento dos Hupd’äh e Yuhupdëh na sede da Coordenação Regional e para ações dentro da terra indígena, abrindo-se inclusive a possibilidade de sua contratação como CTL; atendimento contínuo de saúde no interior da terra indígena; apoio de ferramentas agrícolas para produção das roças; e atendimento diferenciado em São Gabriel da Cachoeira (AM) para a emissão de documentação básica e acesso aos benefícios sociais e previdenciários. Foi também solicitado o apoio para o enfrentamento das situações de consumo de bebidas alcoólicas e do aumento crescente dos casos de suicídio. Diante desse pedido, os representantes das coordenações da FUNAI presentes comprometeram-se a solicitar o apoio da SESAI que vem desenvolvendo ações exitosas quanto a essas questões.
Após o debate sobre a difícil situação atual das escolas Hup e Yuhup em termos de materiais didáticos, letramento em língua Hup e Yuhup e proposição de atividades interculturais e a difícil situação de deslocamento e permanência por meses na cidade dos professores hup e yuhup à espera da recontratação, surgiu a demanda, por parte da da FUNAI-RN de assessoria para a elaboração de projeto educacional Hup-Yuhup-Dâw. O projeto permitirá a abertura de novo diálogo com a Secretaria Municipal da Educação (SEMEC) e com a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) na busca pela efetivação da Educação Especial, respeitando a contratação específica dos professores e a não exigência de sua presença anual para renovação na cidade.
Foi também discutida a recente aprovação do projeto “Contato Linguístico no Alto Rio Negro”, coordenado pelas linguistas Patience Epps (Universidade do Texas) e Luciana Storto (USP) através do qual será possibilitada a assessoria continuada às escolas Hup, Yuhup e Dâw na elaboração de materiais didáticos, de gramáticas de uso, dicionários e demais materiais que possam contribuir com o trabalho educacional dos professores dessas etnias. Além das coordenadoras, participarão do projeto os antropólogos Bruno Marques (Museu Nacional), Pedro Lolli (USP), Henrique Junio (UFSCAR), Danilo P. Ramos (USP) e os (as) linguistas Evani Viotti (USP), Esmeralda Negrão (USP), Karolin Obert (USP), Joyce McCormick (UT), Rebekah Evans (UT), Lucas Cavalini Barboza (USP), Maurício Carvalho (USP), Wallace Andrade (USP).
A Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos Sociais (CGPDS), a Coordenação-Geral de Promoção da Cidadania (CGPC) e a Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém-Contatados expuseram a análise do Plano de Trabalho apresentado pela Coordenação Regional do Rio Negro e, após ouvir as demandas principais do representante, definiram alguns encaminhamentos como: gestões junto à SESAI sobre a falta de atendimento nas aldeias, a necessidade de atendimento específico para os Hupd’äh e Yuhupdëh, e atendimento diferenciado nos Hospitais de referência em São Gabriel da Cachoeira (AM) e Manaus (AM); estratégias de acompanhamento da devolutiva da pesquisa com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); definição de planejamento integrado entre a coordenação regional, as coordenações-gerais e colaboradores; e gestões com as Secretarias municipal e estadual de educação; construção de uma casa de apoio para os Hupd’äh e Yuhupdëh na cidade em São Gabriel da Cachoeira; elaboração de estratégias de combate à violência, discriminação e exploração contra os povos indígenas na cidade.
Conheça os Hupd’äh e os Yuhupdëh
Os Hupd’äh e os Yuhupdëh habitam a região do Alto Rio Negro (AM), na fronteira entre o Brasil e a Colômbia, município de São Gabriel da Cachoeira. Os traços semelhantes entre as línguas Hup, Nadëb (kuyawi), Dâw e Yuhup constituem-nas como línguas irmãs, formando a família linguística Nadahup (Maku) (Epps 2005). As comunidades Hupd’äh situam-se às margens de igarapés da área interfluvial dos rios Tiquié e Papuri, afluentes da margem esquerda do rio Uaupés. Já as comunidades do povo Yuhupdëh estão distribuídas ao longo do rio Tiquié nas áreas interfluviais, havendo concentrações nos igarapés Castanha, Ira, Cunurí, Samaúma e no rio Apaporis. Os dados demográficos mais atuais estimam a população Hupd’äh num total de 2.200 indivíduos distribuídos em aproximadamente 35 aldeias, enquanto os Yuhupdëh seriam compostos por aproximadamente 400 indivíduos (DSEI-RN, 2014; Athias, 2006; Epps, 2005, Pozzobon, 1997). Atualmente, há algumas aldeias que agregam de 100 a 200 indivíduos, enquanto outras continuam concentrando de 15 a 50 pessoas, como parece ser o padrão descrito pelos pesquisadores (Reid, 1979). Conforme mostra Athias (1995), o aumento populacional e a maior duração da permanência da morada num local próximo aos grandes rios têm a ver com a agência missionária salesiana que procurou agregar em grandes aldeias, designadas pelo pesquisador com povoados-missão, o maior número de pessoas para a evangelização.
O povo Hupd’äh e o povo Yuhupdëh são considerados povos de recente contato pela FUNAI, apresentando certas singularidades em sua relação com o Estado brasileiro. A Funai considera “de recente contato” aqueles povos ou grupos indígenas que mantêm relações de contato permanente e/ou intermitente com segmentos da sociedade nacional e que, independentemente do tempo de contato, apresentam singularidades em sua relação com a sociedade nacional e seletividade (autonomia) na incorporação de bens e serviços. São, portanto, grupos que mantêm fortalecidas suas formas de organização social e suas dinâmicas coletivas próprias, e que definem sua relação com o Estado e a sociedade nacional com alto grau de autonomia. Assim, as suas especificidades culturais devem ser consideradas para o planejamento de qualquer iniciativa, tendo como base as suas demandas qualificadas.
Colaboração: Danilo Paiva (USP) e Sirlene Bendazzoli (CGPC/FUNAI).
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Foto: Mario Vilela/Funai