Lindomar Padilha – Cimi Regional Amazônia Ocidental
Indígenas do povo Nawa, do Igarapé Novo Recreio, município de Mâncio Lima, Acre, retiveram nesta quarta-feira, 15, um funcionário da Funai, no caso o coordenador regional, e três do Instituo Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para protestar e exigir a retomada do processo constitucional e legal das demarcações de terras indígenas.
A luta pela regularização fundiária da Terra Indígena Nawa já dura mais de 15 anos e os indígenas têm sistematicamente denunciado o descaso das autoridades para solucionar o problema. Também denunciam o que chamam de “abusos” por parte do ICMBio, que insiste em não reconhecer a terra como indígena.
Três laudos comprovam que a terra é de posse tradicional dos indígenas Nawa. Mesmo assim, o ICMBio insiste em dizer que a terra em questão é parte do Parque Nacional da Serra do Divisor. Por esse motivo, o órgão recorreu judicialmente contra os indígenas e, desde então, o processo encontra-se judicializado – atrapalhando ainda mais a conclusão da demarcação.
Os indígenas denunciam ainda que o ICMBio tem aplicado multas escorchantes para evitar que façam suas casas e seus roçados. Há um caso de multa que ultrapassa os R$ 300.000,00. Além disso, denunciam os indígenas, o ICMBio tem procurado as famílias no intuito de convencê-las a sair do território com o argumento de que ali nunca será uma terra indígena. Todas essas denúncias foram feitas durante o seminário sobre o petróleo e em outros momentos, conforme já publicado.
Por outro lado, os indígenas afirmam ainda que a Funai não tem dado a devida atenção às reivindicações e tampouco tem prestado esclarecimentos sobre a real situação. O mínimo que a Funai deveria fazer, segundo observam os indígenas, era ao menos mantê-los informados – ou a Funai não está informada ou está retendo informações.
A retenção de funcionários públicos é algo indesejável e indesejado, mas revela a ausência de canais confiáveis para o diálogo e uma desconfiança nas instituições, no caso a Funai e o ICMBio, bem como em seus representantes.
Um representante do povo informou que os funcionários passam bem e serão tratados de forma adequada e humana, diferente de como o Poder Público trata os povos indígenas, mas que só serão liberados mediante a presença de uma autoridade vinda de Brasília e que realmente possa apresentar caminhos para a solução do impasse. “Só vamos liberar (os funcionários) quando tivermos a garantia de que nossos direitos serão reconhecidos e respeitados”, afirma a representação.
Leia na íntegra o pronunciamento dos Nawa:
Comunicado do povo Nawa
O povo indígena Nawa habita a Terra Indígena Nawa, à margem do rio Moa, no município de Mâncio Lima (AC), com uma população de 1200 pessoas, aproximadamente. Há 15 anos está paralisado o processo demarcatório do território, cujo Parque Nacional da Serra do Divisor está sobreposto.
Às 15 horas do dia 15 de julho, na aldeia Boca Tapada, o povo indígena Nawa deteve o chefe da Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio do Vale do Juruá – CR/ARJ, Luiz Valdenir, e o coordenador do Parque Nacional da Serra do Divisor, senhor João Damasceno, que também é funcionário com Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O cacique João Nawa informou que os motivos da decisão da comunidade em prender os servidores foram:
- A paralisação do processo demarcatório do território por 15 anos. A Funai não toma nenhuma providência e nem quer dar qualquer esclarecimento para a comunidade;
- As tentativas de criminalização dos Nawa por servidores do ICMBio;
- A discriminação e diversas ameaças que os Nawa vêm sofrendo por servidores do ICMBio;
- Há anos, o ICMBio vem reduzindo o espaço de usufruto do Nawa dentro da terra estudada, entre outros motivos que estão causando prejuízos para a comunidade.
A decisão da comunidade, em geral, é que a liberação dos servidores só será possível na presença de representantes do Ministério da Justiça (DF), do Ministério Público Federal (MPF), da Funai (DF), do ICMBio (DF) e movimento indígena, após compromisso assumido com o povo, ambos com poderes de decisão, pois os indígenas não aceitam conversar com representantes da região e do estado, pois há 15 anos já vêm conversando sem nada ser feito.
A Funai de Cruzeiro do Sul ofereceu uma agenda em Brasília com uma comissão de índios Nawa, porém a comunidade rejeitou a proposta, em vista de que por várias vezes a comunidade já esteve em Brasília e nada foi resolvido e a comunidade propõe que essa audiência seja feita na aldeia e na presença de todos.
Os servidores detidos não sofreram agressões físicas e terão todas as assistências necessárias da comunidade, no que diz respeito à alimentação, hospedagens. O povo Nawa espera que os órgãos competentes se manifestem com urgência, pois independente de qualquer coisa estamos dispostos a lutar pelos direitos.
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Imagem: Reprodução do Cimi