“Estamos em luta há mais de 15 anos pela demarcação de nossa terra. Se for pra gente ter direito a isso depois de 30 anos, o pessoal da Funai e do ICMBio vai ficar aqui mais 15 anos”, afirma cacique em entrevista exclusiva
Altino Machado e Assem Neto, da ContilNet
Para liberar quatro servidores do governo federal que estão sendo mantidos como reféns desde a tarde de quarta-feira (15) na aldeia Novo Recreio, na região de fronteira com o Peru, indígenas nawa exigem a realização de uma reunião com a presença dos presidentes da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade) para tratar da regularização fundiária da Terra Indígena Nawa.
A exigência dos nawa foi comunicada na manhã desta quinta-feira (16) ao presidente da Funai, o ex-senador amazonense João Pedro, que propôs aos indígenas um encontro no município de Mâncio Lima (AC), no extremo-oeste brasileiro. A Funai alega a existência de um “protocolo de segurança” que não recomenda a participação do presidente da autarquia em áreas sob tensão.
A proposta da Funai foi rechaçada pelo cacique João Nawa. Em entrevista exclusiva à ContilNet, o cacique disse que os quatro servidores vão continuar detidos na aldeia, situada no centro do Parque Nacional da Serra do Divisor, até que os presidentes da Funai e do ICMBio dialoguem diretamente com a comunidade.
“A Funai diz que não pode realizar reunião na aldeia. Isso é o que a Funai diz, mas nós dissemos para a Funai que ela e o ICMBio precisam aparecer aqui. É mais fácil duas pessoas se deslocarem de Brasília até aqui do que 400 índios irem até Mâncio Lima. Nós não temos condições de providenciar transporte para todos nossos parentes. Todos precisam participar da reunião com essas autoridades. O mais importante é que as autoridades venham para a reunião com propostas que nos favoreçam”, afirmou João Nawa.
O cacique disse que os nawa reivindicam a demarcação da Terra Indígena. “Teve um laudo laudo antropológico da Funai para que nosso território pudesse seer reconhecido pelo governo federal. Ficou estabelecido que nossa terra vai da margem direita do Igarapé Jordão até a margem direita do Igarapé Jesumira”, detalhou.
“Além disso, estamos lutando contra uma proposta do ICMBio, que quer reduzir nossa terra de 83 mil hectares para 53 mil hectares. O que é mais grave é que temos informações de que já existe uma nova proposta para reduzir ainda mais a nossa terra. Nós não vamos aceitar isso de jeito nenhum”, acrescentou.
Reféns
João Nawa explicou que o coordenador regional da Funai na região do Vale do Juruá, Luís Valdenir, foi detido juntamente com três funcionários do ICMBio porque a comunidade está cansada de lutar pela demarcação da Terra Indígena.
Ele contou que os quatro servidores ficaram muito nervosos quando os indígenas anunciaram que estava impedidos de deixar a aldeia Novo Recreio. “Mas demos nossa garantida de que não serão maltratados. Vamos tratar bem deles. Nós estamos em luta há mais de 15 anos. Se for pra gente ter direito a demarcação depois de 30 anos, o pessoal da Funai e do ICMBio vai ficar aqui mais 15 anos”.
De acordo com o cacique, os reféns “estão transitando com liberdade na aldeia”, mas estão sob vigilância permanente da comunidade. “Não vamos permitir que fujam e nem vamos cometer qualquer violência contra eles. Estão conversando com a gente, entre eles, e assim vamos seguindo em busca de uma solução”.
Durante a conversa com o cacique a reportagem pediu para falar com o gestor do Parque Nacional da Serra do Divisor, João Damasceno, servidor do ICMBio. João Nawa preferiu chamar o coordenador regional da Funai na região do Vale do Juruá, Luís Valdenir.
Segundo o representante da Funai na região, no começo, na tarde de quinta, a situação foi muito tensa, mas não a ponto de se sentirem ameaçados fisicamente. Luís Valdenir contou que desde o começo tem havido disposição dos nawa de assegurar a integridade física dos reféns.
“Isso ajudou a deixar a gente mais tranquilo. Vamos continuar aguardando as orientações da presidência da Funai. Estamos passando bem, nos moldes da comunidade. Instalaram redes para nós numa casa de família”, disse.
Para Valdenir, a situação mais delicada é a de não poder dar aos nawa a resposta que esperam sobre a definição da demarcação da terra, que está judicializada. “Lamento a atitudes deles porque inviabiliza que eu possa dar continuidade a outros compromissos em nome da Funai na região. Acho que é necessário mais diálogo, pois a questão já não depende apenas da Funai e do ICMBio, mas da Justiça”, analisou o servidor da Funai.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Patira Ferreira.