Por CRDH Semiárido
Nacionalmente, alguns grupos religiosos fundamentalistas têm se articulado para influenciarem a elaboração e deliberação dos planos decenais de educação de diversos municípios (PME) brasileiros. Interessa-lhes, particularmente, a supressão das temáticas referentes a gênero e sexualidade das atividades escolares, sejam curriculares ou extracurriculares. Em Mossoró, Rio Grande do Norte, essa ação se concretizou através da aprovação do Projeto de Lei nº 118/2015, que, antecipando-se às discussões do PME, que sequer teve sua elaboração concluída, proibiu a inserção de quaisquer atividades ou conteúdos curriculares que tratem de gênero e diversidade sexual, temas aos quais se refere com a denominação imprecisa de “ideologia de gênero”.
O que há de peculiar no caso potiguar é, justamente, que a lei impõe-se a um plano de educação que sequer existe, suprimindo a possibilidade de que a escolha de conteúdos acadêmicos ocorra no momento da elaboração do PME, momento legislativo específico e apropriado para esse debate, e retira essa prerrogativa das instâncias que constróem o plano antes de sua votação na Câmara. Diga-se de passagem o Projeto de Lei nº 118/2015 não passou por audiências públicas, grupos de trabalho ou quaiquer outros foros de discussão em que constassem a presença de professores, administradores e demais trabalhadores da rede municipal de ensino, pedagogos, psicólogos ou outros profissionais que atuem em educação.
Ainda durante a tramitação do PL 118/2015, movimentos sociais, grupos de pesquisa, extensão e estudo, sindicatos e partidos políticos organizaram-se através da frente Gênero e Diversidade nas Escolas, Sim!, que está provocando um movimento de oposição à proposta legislativa, e pleiteou veto do Prefeito do Município, Francisco José Junior.
Na Câmara Municipal, os vereadores reuniram-se apenas com grupos religiosos, que encampam, nas redes sociais e em atos isolados, um debate contra o que intitulam “ideologia de gênero”. No dia da votação do projeto, o acesso ao plenário da casa legislativa foi permitido apenas a essas organizações.
O Rio Grande do Norte, segundo pesquisa realizada pelo Grupo Gay da Bahia em 2013, é o terceiro estado no ranking daqueles que mais matam pessoas LGBT, assim como é o terceiro estado no Brasil que mais mata mulheres violentamente, de acordo com os dados do IBGE em 2013. Nesse contexto, compreende-se que o debate para construir a sociedade menos desigual e violadora para mulheres e pessoas LGBT tem como importante aliada a educação básica. O aprendizado de conteúdos que auxiliem crianças no convívio com a diversidade sexual e de gênero contribui para que se garanta, em longo prazo, que esses números sejam parte de um triste passado.
Nesse intuito, o CRDH Semiárido, entidade que compõe uma rede de Centros de Referência em Direitos Humanos que atuam como mecanismos de defesa, promoção e acesso à justiça, provocado pela frente Gênero e Diversidade nas Escolas, Sim!, elaborou parecer técnico-jurídico que aponta para a total inconstitucionalidade, tanto formal, como material, do PL nº 118/2015. Segundo o parecer:
Pelas razões de interesse público, inconstitucionalidades e ilegalidades acima expostas, o Centro de Referência de Direitos Humanos da Universidade Federal Rural do Semi-Árido recomenda ao Exmo. Prefeito de Mossoró que vete, na sua integralidade, o Projeto de Lei nº 118/2015 – GVNSS, que dispõe sobre proibição da ideologia de gênero, que substitui o termo sexo por gênero, no plano municipal de educação e sua grade curricular de ensino em sala de aula, a fim de concretizar os objetivos da Constituição da República de 1988 de construir uma sociedade sem discriminações de quaisquer origens, justa e solidária, promovendo o pluralismo, a diversidade e a cidadania, e contribuindo com a educação local, para diminuição futura e atual dos índices de violação de direitos que envolvam afronta à igualdade de gênero.
A data para o prazo para veto do Prefeito se encerrou ontem, dia 15/07, e gera grande expectativa sobre qual o posicionamento político e jurídico que será tomado pelo Poder Executivo de Mossoró.
Os avanços obtidos pelo país no combate às discriminações de gênero e de identidade e orientação sexual parecem ter provocado reações que visam a negar a cidadania a sujeitos outrora dela alijados e fazê-los retornar à invisibilidade social. Essas reações, ironicamente, utilizam o discurso de defesa do Estado Democrático de Direito, quando, em verdade, os avanços na obtenção de direitos de mulheres e de pessoas LGBT cumprem estritamente o que nossa Constituição traz em sua literalidade e, para além disso, a observância dos acordos e das convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Nesse conjunto normativo, as estratégias educacionais que promovem o diálogo sobre diferenças, o acolhimento dos estudantes, a convivência pacífica e respeitosa e o fortalecimento da cidadania não são apenas mencionados como possíveis práticas pedagógicas, mas incentivados, como finalidades do próprio processo de educar.
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Leia a íntegra do Parecer AQUI.
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Enviada para Combaste Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros.