Por Carolina Fasolo, Assessoria de Comunicação Cimi
Mais de 100 indígenas dos povos Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Tupinambá e Tumbalalá, da Bahia, estão em Brasília desde segunda-feira (6) para uma série de reivindicações junto aos Três Poderes. Nessa terça-feira (7), estiveram na Fundação Nacional do Índio (Funai) e na Procuradoria Geral da República (PGR), onde expuseram a vulnerabilidade a que estão submetidos os povos indígenas naquele estado.
Atendidos por Luciano Maia, Subprocurador-Geral da República e membro da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, os indígenas reiteraram à PGR denúncias contra a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que não fornece transporte às aldeias há três meses, além da carência de profissionais e medicamentos.
Os indígenas destacaram que as denúncias vêm sendo encaminhadas ao Ministério Público Federal (MPF) na Bahia, que adota uma postura omissa em relação às dificuldades dos povos. “A função do MPF é zelar pelo nosso direito, o que não vem acontecendo. É crime o que estão fazendo com a gente, os órgãos públicos de modo geral. Temos pessoas morrendo nas aldeias. São quase quatro meses sem nenhuma assistência à saúde”, disse a liderança Agnaldo Pataxó Hã Hã Hãe. Os indígenas protocolaram na PGR documentos com as denúncias, pedindo que o órgão não permita omissões quanto às violações dos direitos indígenas.
Fraude no Transporte
O já dramático quadro da saúde indígena no estado intensificou-se nos últimos meses, depois de descoberto, pela Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), um esquema fraudulento de licitações envolvendo o Distrito Sanitário Especial Indígena na Bahia (Dsei/BA) para a contratação da empresa San Marino Ltda., que realizava o transporte de indígenas desde 2013. A CGU descobriu que a empresa foi beneficiada com um sobrepreço de R$ 12,8 milhões, além de um superfaturamento avaliado em R$ 6,4 milhões, em razão de serviços não executados.
Depois de denúncia do MPF, a Justiça Federal suspendeu os efeitos do pregão e determinou, em 21 de julho de 2014, que uma nova licitação deveria ocorrer em no máximo 30 dias, e que, enquanto isso, os serviços prestados pela San Marino deveriam ser mantidos. No entanto, de acordo com Maria da Ajuda, presidente do Conselho Local de Saúde Indígena do Sul da Bahia, a empresa parou de prestar o serviço, alegando falta de verba, e não foi realizada nova licitação. “Desde então já passaram quase quatro meses. A situação está caótica, tivemos óbitos decorrentes da falta de transporte, porque muitas aldeias ficam há quilômetros de qualquer atendimento de saúde. Viemos pedir socorro ao MPF, que ele entre em ação e nos ajude”, disse Maria.
Os indígenas apontam problemas estruturais além da falta de transporte, como a carência de medicamentos e profissionais para os atendimentos, o abastecimento de água deficiente e ainda o preconceito que sofrem alguns indígenas ao serem atendidos, tanto dentro como fora das aldeias. “O que estão fazendo com os povos indígenas em relação a saúde é violência, porque nosso povo tá morrendo por falta de assistência. Queremos que o MPF nos ajude, porque a situação é precária, difícil pra todos. Na minha comunidade falta construção de banheiros, falta medicamentos… Falta tudo em todas as aldeias, queremos assistência adequada. Quando se fala que a saúde do povo indígena é diferenciada, será que a diferença é essa aí?”, comoveu-se a liderança Xarru.
O cacique Imburana manifestou indignação com o Ministério da Saúde e Sesai, que haviam recusado proposta de reunião com a delegação. “Fazemos essa viagem, dois dias pra chegar em Brasília e o secretário não quer atender a gente, isso é um total desrespeito, uma violência”, declarou. O procurador Luciano Maia comprometeu-se a acertar uma agenda no Ministério da Saúde, que confirmou uma reunião com a presença do secretário Especial de Saúde Indígena, Antônio Alves, para esta sexta-feira (10).
Na PGR, a delegação tratou ainda da paralisação dos processos de demarcação das terras indígenas na Bahia, que tem causado violência contra os povos no estado. Caromi Oseas, assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), explicou ao procurador que o ministro da Justiça, ao paralisar as demarcações e optar por ‘mesas de diálogo’, acaba por incitar o ódio da população não-indígena contra os povos, cada vez mais vulneráveis à ação da pistolagem. Em maio, pistoleiros atacaram a aldeia Patiburi, da Terra Indígena (TI) Tupinambá de Belmonte, queimando casas e parte da plantação da comunidade. “Só na Bahia são ao menos 12 terras indígenas sem nenhum impedimento jurídico, dependendo apenas de vontade política da Funai e/ou do Ministério da Justiça (MJ) para terem seus processos demarcatórios finalizados. A TI Barra Velha, por exemplo, está na mesa do ministro há 8 anos”, explicou Caromi. A delegação tratará dos procedimentos demarcatórios diretamente com o MJ na tarde desta quinta-feira (9).
Protesto na Esplanada
Na manhã dessa quarta-feira (8), o grupo com cerca de 100 pessoas fechou durante duas horas três pistas do Eixo Monumental, desde a Catedral até a Praça dos Três Poderes. A Polícia acompanhou a delegação, que fez ainda um ato em frente ao Ministério da Saúde. Durante a tarde os indígenas estiveram no Congresso Nacional, em visita aos gabinetes, e em reuniões nos Ministérios da Educação e da Defesa. O grupo permanece em Brasília até sexta-feira (10).