Ubervalter Coimbra – Século Diário
A produção da nova aldeia Guarani que está sendo construída no Espírito Santo será totalmente orgânica, com métodos e sementes tradicionais indígenas, que estão sendo recuperados. Os índios tiveram que esperar dez anos para que suas terras, tomadas e exploradas à exaustão pela Aracruz Celulose (Fibria) por décadas com plantios de eucalipto, recuperasse alguma fertilidade.
Os trabalhos preparatórios para os plantios nesta área estão apenas começando. Marcelo Guarani, de nome guarani Werá Djekupé, é educador indigena bilingue. É o presidente da Associação Indígena Guarani Três Palmeiras. Três Palmeiras é uma das aldeias guarani no Espírito Santo, cujo nome em guarani é Mboay Guaçu Pindó.
O local onde será criada uma nova aldeia indígena fica próximo às aldeias Pau Brasil e Olhos D`água, duas aldeias guarani no Estado. As outras são Piraquê-Açu e Boa Esperança (Tekoa Porã), todas em Aracruz, nas terras retomadas pelos índios da Aracruz Celulose (Fibria).
A terra que a natureza recuperou em parte depois que furação Aracruz Celulose usou e destruiu por décadas com seus eucaliptais, está minimamente recuperada, pois desde 2005/2006 não recebe novos plantios de eucalipto. A avaliação é de Marcelo Guarani.
Um pouco melhor, em parte recuperada, não são expressões gratuitas. Algumas plantas ressurgiram na área destruída pelo eucalipto, certamente como parte dos formadores de florestas, que são os pássaros, morcegos e outras espécies que dispersam as sementes de plantas nativas.
É nesta área, próxima a pequenas matas deixadas como reservas para que a Aracruz Celulose fizesse sua propaganda, que os índios vão atuar. Já deram algumas ajuda à natureza, com alguns plantios de vegetação nativa e frutíferas.
E vão formar corredores ecológicos entre as áreas de matas nativas. Exatamente para que o que resta de animais possa circular com um pouco mais de segurança. Um pouco mais, pois os índios já flagraram brancos caçando nas suas terras. Para maior garantia de vida aos animais e vegetais na área é que formarão sua nova aldeia.
Como parte dos preparativos para a criação da nova aldeia, os índios já começaram a limpeza da área para plantios. Mas saem das aldeias antigas, limpam o mato, roçam. Não há nenhuma casa na área.
Marcelo Guarani assegura que nestas terras os índios vão plantar o que é tradicional. Vão buscar sementes como o milho, que os guarani consideram sagrado, e a etnia conserva nas aldeias nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. O milho também ainda é colhido pelos guarani no Paraguai, Uruguai e Argentina.
E que milho sagrado para os guarani é este? É um milho diferente, como cinco ou seis cores em cada espiga. De sabor especial para os índios, é usado para produção de pão, e também em rituais sagrados.
Quando chegou ao Espírito Santo conduzindo seu povo na sua saga para encontrar a Terra Sem Males, a xamâ guarani Tatantin-Roa-Retée trouxe na bagagem o milho sagrado. Plantou, mas a terra estava esgotada pelos eucaliptos, e o milho não vingou. Ao contar esta parte da historia, Marcelo Guarani revela, orgulhoso, que é bisneto da xamã. De alguma forma, replantar o milho que a líder carregava para que seu povo usasse será uma forma de homenagear quem fez o povo guarani encontrar no Espírito Santo os seus irmãos Tupinikim.
Outros alimentos comuns dos guarani, como o feijão de corda, também especial, que é listrado, também será recuperado. E também várias espécies de mandioca, outro produto essencial na alimentação dos índios.
Nos plantios que já começam a ser feitos, ainda que sem as sementes especiais, os índios vão mantendo sua tradição no trabalho. São feitos grupos, o que permite manter as tradições agrícolas do plantar e colher em mutirões. Da mesma maneira que a mantém sua cultura, a língua guarani inclusive.
Está garantido, por exemplo, que o adubo será preparado pelos próprios índios, com compostagem. Folhas, terra e excrementos dos animais domésticos criados nas aldeias serão transformados em compostos, para enriquecer a terra. O educador indígena Marcelo Guarani revelou que conheceu a permacultura, e aplicará seus métodos os plantios.
O que os guarani buscam com este trabalho? Querem uma comida pura, sem agrotóxicos, para que não tenham doenças. A comida natural, equilibrada, comenta o líder guarani, é que garante a boa saúde do povo guarani.
A aldeia que está em processo de construção, ainda que começando, visa consolidar o modo de vida do povo guarani no Espírito Santo. E a permacultura deverá ser socializada a toda a população indígena no Estado.
Este mês, os guarani farão uma conferência, nos dias 15 e 16, na aldeia de Boa Esperança (Tekoa Porã), para discutir a política indigenista que querem. Os Tupinikim também se reunirão com o mesmo objetivo, em Caieiras Velhas, nos dias 13 e14 próximos. O Espírito Santo tem atualmente cerca de 3.800 índios, dos quais cerca de 400 guarani. São dez aldeias das duas etnias.