Entre os dias 26 e 28 de junho, cerca de 60 representantes de comunidades quilombolas e de pescadores artesanais do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará, junto com ativistas antipetroleiros e representantes de grupos impactados pela indústria petroleira e petroquímica, realizaram um encontro em Vila Velha (ES) para discutir ações frente aos crescentes impactos da expansão petroleira sobre territórios tradicionais terrestres e marinhos. Leia abaixo Carta do encontro de lançamento da Campanha “Nenhum poço a mais!”:
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“Tudo o que a gente tem, eles querem”
Marisqueira da Ilha de Maré, Bahia
Nós, pescadoras e pescadores, marisqueiras e marisqueiros, comunidades quilombolas e urbanas que vivemos do que o mar, os rios, a terra e as florestas nos dão, vimos a público afirmar:
Há tempos o Brasil achou por bem buscar um desenvolvimento que se constrói às custas de nossos territórios, numa lógica petrodependente que vem se apoderando de tudo que é nosso. Com a instalação de poços, portos, estaleiros e dutos que nos invadem, nos poluem e nos roubam nosso sustento, a paz e os sonhos de futuro no mar e na terra, nossa existência é violada também por mineradoras que produzem a matéria prima para a construção de infraestruturas; enormes desertos verdes de eucalipto que fornecem o carvão para as siderúrgicas; e canaviais infinitos que energizam esta engrenagem. A cadeia produtiva da indústria do petróleo, arrancado das profundezas do nosso chão para alimentar mercados vorazes em outros países, nós a vivenciamos como uma predadora múltipla.
No último período, o Brasil foi abalado por sucessivas denúncias que revolveram um pântano de irregularidades na qual a cadeia produtiva da indústria petroleira de nosso país tem chafurdado há anos. A Operação Lava Jato nos confrontou com uma incômoda verdade: sem violações e crimes de todo tipo, esta indústria, da forma em que está estruturada, não opera.
Nós, que somos obrigados a conviver com os poços de petróleo e suas infraestruturas nos nossos quintais, mangues e águas, entendemos que este momento de crise nos cobra uma reflexão sobre o modelo de desenvolvimento calcado na petrodependência econômica e política em que estamos afundando o nosso país. De que nos valem os empregos gerados por esta máquina, se nossos filhos, maridos e mulheres são obrigados a destruir seus próprios territórios em troca de um salário que, em poucos anos, deixará de existir? O pescador que vende seu barco e sua rede para aterrar os manguezais onde é construído um poço, um porto, um duto, do que vai viver ao final da obra? Do que viverá sua família que perdeu o direito de pescar nas áreas de plataformas, que perdeu os mariscos nos arrecifes e coroas destruídos? De que viverá o quilombola sufocado por poços de petróleo que contaminam a terra, por desertos verdes e agrotóxicos, todo esse povo que teve a água e o ar poluídos e se contorce em cancer, embolias pulmonares e intoxicações com metais pesados? Nós dizemos que este modelo não nos serve, e não estamos dispostos a nos sacrificar e perder os nossos modos de vida em nome de um desenvolvimento que não nos diz respeito.
Afirmamos que é hora de repensar e agir sobre a expansão petroleira e da teia de empreendimentos predadores que a alimenta. Já basta! Nossa decisão é de tornar público nossa demanda: NEM UM POÇO A MAIS! É por isso que lutaremos.
Estamos lançado esta campanha a partir das nossas realidades, vidas e quereres. É dos nossos territórios, onde vivenciamos toda a violência da cadeia produtiva petroleira, que se construirá a nossa luta. Afirmamos que a terra e o mar, para além dos que neles trabalham, é de quem neles vivem.
Vimos a público afirmar que nossa dor e nossa luta têm dignidade. Não seremos criminalizados e hostilizados por nossa decisão. Com a sabedoria dos que preservaram desde sempre os territórios, nos declaramos aptos a zelar por eles e pelos bens naturais neles contidos. Exigimos ser considerados em nossa soberania e direito de autodeterminar nossos futuros.
Vila Velha, 28 de junho de 2015
Assinam:
Associação Indígena Guarani Boapy Pindo (ES)
Associação dos Pescadores Artesanais de Porto de Santana e Adjacências – APAPS (ES)
Articulação Nacional das Pescadoras – ANP
Amigos da Terra Brasil (RS)
Associação de Artesãs Praia da Maroba (ES)
Associação de Moradores e Pescadores de Bananeiras – Ilha de Maré (BA)
Associação de Moradores, Pescadores e Marisqueiras de Porto dos Cavalos Martelo e Ponta Grossa (BA)
Associação dos Pescadores de Bicanga (ES)
Associação dos Pescadores de Jacaraipe (ES)
Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara – AHOMAR (RJ)
Coletivo Iemanja é contra o Pré-sal
Colônia Z-09 de Pescadores de Ilha de Maré (BA)
Comissão Quilombola Sapé do Norte (ES)
Conselho de Defesa dos Direitos Humanos da Serra – CDDH-Serra (ES)
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
Conselho Quilombola de Ilha de Maré (BA)
Conselho Quilombola de Ilha de Maré (BA)
Coordenação Estadual Quilombola Zacimba Gaba (ES)
Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas – CONAQ
FASE – Solidariedade e Educação
Federação das Associações de Pescadores Profissionais, Artesanais e Aquicultores do Espírito Santo – FAPAES (ES)
Grupo de Mulheres Inventando Moda e Produzindo Artes – economia solidária (ES)
Grupo Kisile de Jacaraipe (ES)
Grupo Sawabona de Cultura Negra (ES)
Instituto Terramar (CE)
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais – MPP
Movimento Sem Teto da Bahia – MSTB (BA)
Nação Zumbi OJAB (ES)
Oilwatch
ONG Amigos da Barra do Riacho (ES)
Organon – Ufes (ES)
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
União dos Pescadores da Caponga (BA)
Yasunidos (Equador)
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Marcelo Calazans.
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