“Quanto ao curto prazo, defendemos “dar um cavalo de pau”, que comece reduzindo a taxa de juros, passe pela execução plena do orçamento e prossiga com um imposto extraordinário sobre grandes fortunas. Noutras palavras, que os ricos paguem a conta do ajuste” propõe o ex-membro do Diretório Nacional do PT
Por Patricia Fachin – IHU On-Line
A crise política brasileira não é uma surpresa e já “estava no script”, assegura Valter Pomar em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Na avaliação dele, o “ajuste fiscal recessivo” e “os efeitos colaterais da Operação Lava Jato” transformaram “o que era um problema totalmente administrável nas contas públicas, em uma crise econômica de graves proporções”. Essa situação, pontua, gerou um “curto-circuito” que manterá um “impasse estrutural tanto na relação do Brasil com o capitalismo internacional quanto na relação entre as classes sociais no Brasil”. O impasse que se vive hoje na política do país, frisa, “remete ao final dos anos 1970”.
Ex-membro do Diretório Nacional do PT, Pomar analisa a situação do partido diante da crise política e os resultados do 5º Congresso do PT, que ocorreu em Salvador recentemente. “Eu faço uma avaliação negativa dos resultados do 5º Congresso do PT. Não tanto pelo que foi decidido, mas principalmente pelo que deixou de ser decidido. A posição que prevaleceu no 5º Congresso não é propriamente uma posição, uma estratégia, mas um agregado de distintas e contraditórias posturas”.
Defensor da organização de uma “frente democrática e popular” e da convocação de um “encontro nacional extraordinário ainda para este ano de 2015, para fazer mudanças imediatas e profundas na estratégia e na atuação do PT”, Valter Pomar é integrante da Articulação de Esquerda, uma das correntes do PT, e explica que nos anos 1990 “as tendências petistas podiam ser facilmente definidas a partir da linha política que cada uma defendia. Mas, nos últimos anos, várias tendências (ou pelo menos setores de várias tendências) foram deixando de ser correntes de opinião e foram se convertendo em correias de transmissão de interesses eleitorais. Em alguma medida, o crescimento da influência dos mandatos (parlamentares e também executivos) dentro do PT afetou o funcionamento e o papel das tendências partidárias. Isso converteu algumas tendências ou setores de tendência em ‘legendas’ através das quais se disputam espaços de poder nas instâncias partidárias”.
Ele esclarece ainda que as divisões existentes no partido hoje podem ser entendidas a partir de dois “extremos”: “há (1) quem deseje fazer uma frente de esquerda contra o governo; e (2) quem deseje fazer uma frente nacional em defesa do governo”, que convivem entre quatro “correntes programáticas: os social-liberais, os nacional-desenvolvimentistas, os social-democratas e os socialistas”.
Valter Pomar é historiador formado pela Universidade de São Paulo – USP e mestre e doutor em História Econômica pela mesma instituição. Foi secretário de Cultura, Esportes, Lazer e Turismo da Prefeitura Municipal de Campinas de 2001 a 2004. Atualmente, leciona na Universidade Federal do ABC. Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia o atual momento da política brasileira? O que está acontecendo?
Valter Pomar – O que está acontecendo não é uma surpresa: estava no script. E as alternativas existem: o que ocorre é que no momento os setores conservadores estão na ofensiva. Evidentemente, há vários jeitos de entender e de explicar o que está acontecendo. No curto prazo, temos um grande curto-circuito: Dilma foi eleita no segundo turno das eleições presidenciais de 2014 sinalizando para o desenvolvimento, mas desde que tomou posse vem operando um ajuste fiscal recessivo.
Este ajuste fiscal recessivo, combinado com os efeitos colaterais da Operação Lava Jato, transformou o que era um problema totalmente administrável nas contas públicas, em uma crise econômica de graves proporções. O resultado desagrada quem votou em Dilma e não agrada quem votou no Aécio. Como os que votaram em Aécio quase ganharam a eleição presidencial de 2014, parte deles enxerga na situação uma chance de voltar à presidência da República, de preferência antes de 2018.
Mas a lógica da situação os conduz, em alguma medida, a criticar o ajuste fiscal que defenderam nas recentes eleições presidenciais. Crítica que demonstra, por outro lado, que a profundidade da crise também afeta as bases sociais da oposição de direita.
Aparente paradoxo também acontece na Operação Lava Jato. Para atacar o PT, estão expondo as entranhas do sistema de financiamento e corrupção que caracteriza a política burguesa no Brasil. E, por outro lado, o PT se vê na situação contraditória de ter que defender-se da acusação de ter feito o que os outros sempre fizeram, de ter incorrido em práticas que o PT sempre criticou.
Curto-circuito
Este curto-circuito é a expressão no curto prazo de algo mais profundo: a persistência de um impasse estrutural, tanto na relação do Brasil com o capitalismo internacional quanto na relação entre as classes sociais no Brasil. Este impasse remete ao final dos anos 1970, quando se combinaram a crise da ditadura militar e a crise do desenvolvimentismo conservador. Como resultado naquele momento, tivemos uma década economicamente perdida, mas ao mesmo tempo de intensa mobilização e organização social.
Como pano de fundo havia um empate entre dois grandes blocos político-sociais; o centro foi sendo polarizado pelos extremos, mas nenhum setor tinha força para impor sua solução para a crise. Motivo pelo qual todos os lados em pugna ficavam insatisfeitos com os arranjos parciais que resultavam da situação. Um sintoma deste empate é a Constituição de 1988. O PT não votou na Carta completa, porque a considerava conservadora. Por outro lado, o então presidente Sarney afirmava então que a Constituição Cidadã deixaria o país ingovernável.
Durante os anos 1990, de Fernando a Fernando, as forças da direita dedicaram três períodos presidenciais a desmontar os aspectos progressistas da Constituição de 88. Em seguida e desde 2003, os três períodos de Lula e Dilma dedicaram-se a cumprir o que lá está. O resultado, de certa forma, é que voltamos aos dilemas do final dos anos 1970 e dos anos 1980, quando estava claro que o país precisava fazer escolhas de longo prazo, entre diferentes vias de desenvolvimento.
Institucionalidade
Entre 1989 e 1992, a “solução” para o impasse foi canalizada institucionalmente, via eleição presidencial primeiro, via impeachment e posse do vice depois; 25 anos depois, a institucionalidade parece estar potencializando a crise. Isto decorre, ao menos em parte, do fato de que também na política estrito senso há um impasse.
Ameaçada em 1989, a direita optou pela americanização dos processos eleitorais. Isto não impediu a vitória petista, mas ajudou a retardá-la por 13 anos, além de fazê-la acompanhada de maiorias congressuais crescentemente conservadoras.
Alianças com o centro
Desde 2003, a esquerda aliada ao centro ganhou as eleições presidenciais, mas a direita aliada ao centro ganhou as eleições parlamentares. O que ajuda a explicar por quais motivos ninguém está satisfeito com as regras do jogo, ao mesmo tempo em que não se consegue maioria qualificada para mudar nada de essencial.
Como resultado do que falamos antes, a esquerda — mesmo que desejasse — não tinha e ainda não tem a força institucional necessária para fazer reformas estruturais. No lugar disto, a parcela da esquerda que chegou ao governo federal implementou um conjunto de políticas públicas bastante moderadas, mas que foram atacadas por setores conservadores como se estivéssemos praticando uma expropriação revolucionária.
O grande capital, sempre mais pragmático do que seus representantes políticos, tolerou a presença do PT no governo enquanto isto foi suportável para eles. Agora, por razões que dependem menos do PT e mais dos efeitos da crise de 2008 sobre o grande capital, aquela tolerância está no seu ponto mínimo.
Adaptando as palavras de Sarney, diante de uma administração federal encabeçada pelo PT, administração e partido que em alguma medida tem compromisso com os aspectos progressistas da Constituição de 1988, prevalece no grande capital, no oligopólio da mídia e na oposição de direita a decisão de deixar o país ingovernável.
Para isto, a direita mobiliza não apenas o seu núcleo duro — os meios de comunicação, a alta burocracia do Estado não eletiva (a exemplo do judiciário e do MP), o aparato de segurança, a cúpula das finanças, os parlamentares e igrejas conservadoras —, mas também aposta na mobilização de massa, coisa que não se via desde 1964.
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