Alexis Tsipras ganhou as eleições de janeiro, com uma defesa da dignidade nacional e a promessa de por fim aos cortes
Por Vicente Clavero , em PÚBLICO.ES
Era bastante previsível que as dificuldades do governo de Alexis Tsipras para enfrentar a situação de seu país iam a ser abundantemente utilizadas na Espanha, como munição contra o movimento Podemos. Porém, não esperava que os partidos tradicionais, a começar pelo PP (Partido Popular, de direita), fossem fazê-lo de maneira tão rápida e tão grosseira.
Já na segunda (29/6), poucas horas depois do anúncio do referendo convocado para este próximo domingo, a dirigente María Dolores de Cospedal disse que o ocorrido na Grécia deve ser lido no país como um aviso. O presidente Mariano Rajoy, sempre tão original, repetiu a mesma ideia. Mas o prêmio maior foi para Pablo Casado, o famoso porta-voz do PP, que posa de moderno, mas dá a impressão de que, na realidade, é tão atrasado quanto os companheiros: “os espanhóis terão que escolher, nas eleições gerais do fim do ano, entre os que levam ao colapso bancário e os que estão em condições de criar três milhões de postos de trabalho”, dito assim, sem nenhuma vergonha.
Todas essas mensagens têm como objetivo subliminar a criminalização do Syriza, jogando no partido e em seu líder a culpa pela quebra econômica e social da Grécia, tirando dos verdadeiros responsáveis, os “moderados” governos antecessores, que impulsaram as nefastas políticas impostas por Bruxelas quando a crise começou. Uma política cuja prioridade sempre foi que os credores, e em particular os bancos, pudessem cobrar o dinheiro emprestado, sem importar os riscos que o Estado teria que enfrentar – e suas consequências – e o desamparo que afetaria os gregos. Foi por isso que Alexis Tsipras ganhou as eleições de janeiro, com uma defesa da dignidade nacional e da responsabilidade compartilhada, e a promessa de por fim aos cortes, que só serviram para aumentar o sofrimento, na Grécia e nos demais países onde foram aplicados. Por isso ele, diante da impossibilidade de cumprir sua palavra, optou por dar voz ao seu povo.
É exatamente o que deveria ter feito José Luis Rodríguez Zapatero em maio de 2010, quando Angela Merkel, com o diligente apoio de Barack Obama, colocou ele entre a espada da austeridade e a parede do apagão financeiro, a ameaça constante feita pelos mercados. Presa de um autêntico ataque de pânico, o último presidente socialista espanhol decidiu ficar de joelhos diante da Alemanha e Estados Unidos, meteu o país no túnel do terror do qual ainda não conseguiu sair, e se transformou no seu suicídio político. Sempre acreditei que seu grande erro foi o de não contar aos espanhóis com claridade o dilema no qual se encontrava, as vantagens e os inconvenientes das alternativas em jogo, para logo dar à cidadania a possibilidade de decidir, talvez num referendo, ou em eleições antecipadas. Teria sido um gesto perfeitamente democrático e honesto, melhor do que a traição de seus princípios, cometida por ele e por seu partido contra o eleitorado, que depois os tirou do poder, para benefício da direita, que ainda hoje governa.
Tsipras preferiu o caminho que Zapatero desdenhou, e por isso merece o maior dos respeitos, mesmo que tenha cometido seus próprios equívocos para chegar ao cenário atual, especialmente na forma e no prazo estipulado para convocar o referendo. Seus adversários dizem que esta consulta não é mais que uma chantagem para abrandar a postura dos credores – que sabem muito de chantagens, pois usam esse subterfúgio sem desmaio desde que surgiram as crises de dívidas, não só da Grécia, mas também da Espanha, Itália, Portugal e Irlanda. O governo do Syriza, por outro lado, se limitou a confrontar essa chantagem, e isso é reconfortante, inclusive no caso de que, no fim das contas, tudo termine sendo reduzido a uma simples birra.
Tradução: Victor Farinelli
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Destaques de Combate Racismo Ambiental
Foto de abertura: Eleitores do “Não” celebram os primeiros resultados do referendo, na centro de Atenas. Marko Djurica /Reuters. [Imagem do The Guardian]
Foto abaixo: BBC