Povo Kaingang chega em Brasília para cobrar direitos dos povos indígenas

Maqueli Quadros – Cimi

Uma delegação de 43 indígenas do povo Kaingang, do Rio Grande do Sul, está em Brasília esta semana (25/5) para uma série de agendas com Executivo, Legislativo e Judiciário. A PEC 215, as últimas decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) e a paralisação das demarcações das Terras Indígenas estão entre as principais reivindicações do grupo.

Durante a manhã de hoje (25) o grupo se reuniu para debater a atual conjuntura política da situação indigenista no Brasil e definir a agenda de compromissos junto aos poderes políticos e instituições. A delegação recebeu uma carta dos povos do Mato Grosso do Sul (MS) que estiveram na capital na semana passada, cumprindo uma agenda de reuniões para tratar dos mesmos assuntos em âmbito nacional.

A carta apresenta o resultado da visita dos povos do MS e oferece apoio ao povo Kaingang em sua luta, articulando as comunidades dos dois estados em ações que se mostrem necessárias na luta pela garantia dos direitos indígenas. Na carta também consta o posicionamento do ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, em reunião com o grupo, e a carta de repúdio a essa postura que os povos do MS protocolaram no ministério da Justiça (MJ), Presidência da República, Casa Civil e Secretaria Geral da Presidência. (Veja a carta abaixo)

Outro ponto bastante enfatizado na reunião foi a situação da Fundação Nacional do Índio (Funai), que há cerca de dois anos conta apenas com um presidente interino, demonstrando o descaso do Executivo com o órgão. Os indígenas exigem a efetivação do atual interino, Flávio Chiarelli, e não aceitam a indicação de um gestor político.

Ainda durante a reunião, o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, falou sobre elementos da realidade vivida pelos povos indígenas no Brasil. “Uma conjuntura que ameaça de forma muito dura os direitos e a vida dos povos originários, inclusive dos Kaingang”, esclareceu.

Sobre a PEC 215, ficou evidenciado entre as lideranças presentes, que ela é um instrumento do Legislativo, por meio do qual os grupos e setores anti-indígenas, ligados especialmente ao agronegócio, com representação de deputados federais do Rio Grande do Sul, atuam contra os direitos indígenas. Esses grupos não se limitam ao Legislativo, mas atuam também em outras instâncias de poder, inclusive junto ao Poder Judiciário.

Audiências com representantes do Executivo, visita ao Congresso Nacional e ao STF estão presentes na agenda da delegação que pretende, além abordar aspecto da pauta nacional, apresentar e discutir demandas específicas de sua região.

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Carta dos povos do Mato Grosso do Sul ao Senhor Ministro da Justiça, Eduardo Cardozo

Caro Ministro Eduardo Cardozo, uma vez que nosso dialogo tenha sido interrompido sem que o senhor tenha escutado ou respondido nossas lideranças e nossas propostas, nós, representantes de todos os povos indígenas do Mato Grosso do Sul decidimos deixar nossa posição por escrito.

Infelizmente o senhor, em insistir em “dialogar” com os setores que querem nossa morte e continuar com o esbulho ou o usufruto ilegal dos nossos territórios acaba por ser completamente intransigente com os povos originários e desrespeita nossa dor, sentida por séculos de descaminhos, decretando mais uma vez entre tantas, para tantos de nós, dolorosas sentenças de morte.

Ao descumprir com suas obrigações e com as atribuições do órgão que representa negando-se a dar continuidade aos procedimentos demarcatórios o senhor não nos deixa outra escolha se não partirmos para a retomada de nossos territórios, questão que tentamos impedir deixando nossas famílias e nossos afazeres e vindo até Brasília buscar o dialogo com o senhor. Dialogo este que nem precisaria existir se o senhor simplesmente cumprisse com o que lhe cabe nesta luta inglória que temos travado, onde o executivo é o primeiro culpado, pois paralisando a demarcação de nossos territórios deixa espaço aberto para estes latifundiários travestidos de parlamentares avançar contra nossos direitos com a PEC 215, PL1216 e tantos outros instrumentos de “tortura democrática”.

E quer que acreditemos que a paralisação, a modificação da demarcação, a revisão de nossos territórios e o aumento da violência não são consequências conjuntas da inércia e dos crimes cometidos pelos poderes deste estado?

Você diz Cardoso, mesmo frente aos pedidos dos povos indígenas de todo o Brasil, que não decreta as portarias e não avança na demarcação dos territórios originários por respeito a nossos povos e por medo de que os processos judiciais derrubem sua decisão. Dizemos que em sua intransigência (que só dialoga com os interesses ruralistas) você comete novamente a Tutela arbitrária sobre nós, coisa que caiu com a constituição de 1988, a qual você desrespeita em muitos outros sentidos e termos. Deixe que decidamos nosso destino Cardozo, por favor cumpra com suas obrigações estatutárias e constitucionais, demarque nossas terras.

Se ao menos o senhor se dignasse a cumprir com seu trabalho senhor ministro, teríamos um inimigo a menos neste xadrez da política e da conjuntura (como o senhor se refere), pois se o senhor e a presidenta Dilma demarcassem nosso território poderíamos juntar nossas forças em todo o Brasil para denunciar e derrubar os crimes acometidos pelo Judiciário, mas ao invés disso você se coloca em nosso caminho, tornando-se, junto com o restante do executivo, a primeira barreira a serviço do ruralismo contra nosso povo.

Enquanto o senhor espera a melhor conjuntura para mover sua caneta e enquanto analisa melhores tempos e meios para demarcar nossas terras, em um jogo de relações institucionais que não pedimos para participar, como lhe dissemos ontem, nós povos indígenas continuamos morrendo, vivendo de migalhas do que tivemos outrora nas beiras das rodovias. Para nós a vida é um sonho rápido que fica em algum lugar entre a fome e a bala do fazendeiro. Até quando senhor ministro? Quando na história deste país tivemos uma “conjuntura” favorável a nós? Tudo que temos são nosso direitos, e exigimos seu cumprimento.

Suas mesas de dialogo, que o senhor orgulha-se em dizer que se tratam uma “medida mundial” tem sido muito boas para aqueles que querem ganhar tempo e péssimas para nosso povo. Vivemos algumas delas e dialogando com outros povos ouvimos o que elas tem causado. Buriti vive até hoje com as cicatrizes destas mesas. Ao mesmo tempo, para fora da lógica das mesas o senhor se nega a dialogar com os povos (mesmo que os receba no ministério) e as consequências tem sido desastrosas. Lembre senhor ministro do povo Kaingang, e o que ocorreu com a sua falta de dialogo com eles. Alem disso, na maioria dos casos as mesas tem servido para garantir recursos para quem deveria estar preso por cometer e continuar comento o esbulho e a exploração de nossas terras.

É uma pena que sintamos que em nome das “mesas de dialogo” a possibilidade de dialogo com o executivo está acabando senhor ministro, e como dissemos para o senhor a inércia nas demarcações só nos deixam uma escolha, retomar nossas terras por meio da única força que temos. Se isso acontecer morreremos. Se isso ocorrer tenha certeza que ao executivo, será creditada a parte que cabe dos resultados desta conversa toda para boi e para fazendeiro dormir.

Mesmo assim Senhor Ministro, ainda acreditamos na possibilidade de dialogar com o senhor, com a casa que o senhor representa e com o Governo e Estado brasileiro. Esperamos que o senhor em outra oportunidade nos escute e que esteja disposto a junto conosco encontrar as possibilidades que contemplam nossos povos e repeitam nossa vida e nossa cultura, que passam necessariamente pela demarcação de nossos territórios. Até lá saibam que não aceitaremos as mesas de dialogo, não

Seremos enganados de novo. Desta nossa reunião não ficamos com nada se não a certeza de que para nós não existe a possibilidade no momento de termos respeitados nossos direitos previstos na Constituição Federal de 1988. Infelizmente é isso que temos para levar a nosso povo em nosso retorno.

Respeitosamente assinam as lideranças dos povos do Mato Grosso do Sul:

Marcha rumo ao Palácio do Planalto, durante o Abril Indígena 2015. Foto de Fábio Nascimento /MNI

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