Rede suspende anúncios com loiras após acusação de racismo no Peru

Crianças loiras na campanha da marca peruana: 'Nem na Finlândia'
Crianças loiras na campanha da marca peruana: ‘Nem na Finlândia’

Maravilha! Para justificar a campanha, o vice-presidente da Associação Peruana de Agências de Publicidade, Alberto Goachet, explicou à BBC: “É que às vezes na publicidade você tem de fazer sonhar um pouco. E isso não é alcançado usando-se a pessoa comum (em anúncios)”. Sem querer, disse tudo – para “fazer sonhar”, eles precisam de modelos que não nos reflitam. Aprendamos, pois -nós, pessoas comuns-, que o nosso sonho deve ser ter ter pele branca, cabelo louros e lisos e tudo o mais que conforma esse modelo europeu colonizante dos racistas! E ninguém critica essa declaração? (Tania Pacheco).

BBC Brasil

Quatro meninas loiras provavelmente jamais geraram tanta polêmica no Peru. Até uma foto do catálogo de Natal da Saga Falabella aparecer no Facebook da cadeia chilena para anunciar uma linha de bonecas da Disney.

Vários clientes imediatamente notaram que as loirinhas, assim como as bonecas que seguravam, não poderiam ser mais diferentes do que a maioria das meninas peruanas.

Em poucos minutos a seção de comentários da rede social foi preenchida com queixas contra a publicidade da Saga Falabella, acusada de racismo por privilegiar modelos mirins de aparência europeia – ou ariana, como vários chegaram a dizer – sem refletir a diversidade étnica do Peru.

‘Nem na Finlândia’

“Muitas pessoas começaram a dizer que parecia uma campanha do Terceiro Reich, nem na Finlândia haveria publicidade como essa”, disse à BBC Mundo Wilfredo Ardito, da organização Cidadãos Lutando contra o Racismo.

Das redes sociais, a polêmica passou às páginas dos jornais e ganhou espaço em debates no rádio e na televisão. A empresa anunciou a retirada do catálogo e lamentou o desconforto causado pela publicação.

“De acordo com nossos valores, respeitamos e valorizamos a diversidade em seu sentido mais amplo e cuidamos para que não haja discriminação em nossa abordagem”, disse a Falabella em comunicado.

O texto afirma ainda que o catálogo é parte de uma campanha mais ampla, em que “a diversidade é um valor presente”.

“Lamentamos que a formulação de uma parte da nossa comunicação comercial tenha causado inquietação por representar de forma inadequada a diversidade que está presente em outras partes da campanha”.

A loja anunciou o reforço da seus processos internos “para garantir a conformidade com os princípios que regem nossas ações”.

A matriz da Fallabela no Chile disse à BBC que as suas peças são inclusivas e evidênciam a diversidade.

“Toda a mídia da campanha de Natal das empresas em 2014 inclui crianças na América Latina. Por exemplo, a campanha de televisão foi gravada em cada um dos países onde a Falabella está presente (Chile, Argentina, Peru e Colômbia)”, afirmou a empresa.

“Em um caso pontual da campanha de Natal no Peru, os comentários se referem a uma fotografia específica que não representa a globalidade da nossa publicidade.”

Estereótipos

Para Ardito, a remoção do catálogo de Natal da gigante varejista foi uma grande vitória, em um país em que há uma crescente conscientização sobre a questão do racismo e onde, por outro lado – em sua opinião -, a publicidade continua a reafirmar estereótipos de raça e classe social.

O vice-presidente da Associação Peruana de Agências de Publicidade, Alberto Goachet, disse à BBC que, embora o debate seja saudável, a polêmica não reflete a realidade.

“Nos últimos dez anos avançamos de forma importante para refletir o peruano comum, empreendedor e emergente na publicidade”, disse o agente. “Claro que precisamos avançar. Mas de jeito nenhum este catálogo é um reflexo do que está acontecendo na indústria peruana ou na marca Falabella.”

Goachet reconhece que os anúncios por vezes “caem no estereótipo do modelo publicitário”, mas defende que isso “tem a ver com as esperanças e sonhos que são vendidos” para a sociedade.

“É que às vezes na publicidade você tem de fazer sonhar um pouco. E isso não é alcançado usando-se a pessoa comum (em anúncios)”, disse ele.

Ardito nota que embora nos últimos anos tenha havido uma maior utilização de modelos de características africanas, traços indígenas nativos ainda são relegados a propagandas estatais ou de atrações turísticas.

“Isso não é apenas uma questão da Saga Falabella, mas de quase todas as empresas peruanas”, disse o ativista.

Ideal branco

Para o professor Teun A. van Dijk, autor do livro Racismo e Discurso na América Latina e editor da revista Discurso e Sociedade, a problemática se repete em outras partes da América Latina.

“Em países de maioria ou dominação branca (europeia ou de ascendência europeia), como é o caso de quase todos os países latino-americanos, o ideal de beleza é branco, de cabelos loiros e olhos azuis. Não é preciso pesquisa para comprovar, todo mundo sabe disso na América Latina”, disse Van Dijk à BBC.

“As consequências da publicidade racista, que exclui ou marginaliza modelos não-brancas, afetam a imagem cognitiva que o público tem sobre beleza, sobre o que é desejável”, afirmou.

“Contribuem para – e reafirmam – atitudes e ideologias de superioridade europeia no mundo”, disse o acadêmico. Ele acredita que as coisas estão mudando, “mas muito lentamente”.

Para Ardito, as redes sociais podem ser um instrumento desta mudança.

Ele diz que a polêmica levantada pela publicidade da Falabella “é uma reação que muitas pessoas já tiveram, antes expressada em casa, entre amigos, e agora nas redes sociais”.

Como um inesperado presente de Natal para os ativistas peruanos contra o racismo, agora a questão é, pelo menos, tema de uma discussão mais aprofundada.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por  Ruben Siqueira.

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