Questionei, algum tempo atrás, um punhado de meus alunos de jornalismo se não achavam estranho o fato de não haver nenhuma pessoa negra na turma. Um deles, sincero, respondeu que não tinha percebido isso porque nunca estudou com uma.
Depois, em reservado, ele me explicou que morava em um desses grandes condomínios, tipo alphabolha, afastados da realidade crua de São Paulo e que oferecem tudo o que a pessoa precisa – menos o contato com a diversidade.
Cresceu sem estudar com negros e negras no ensino fundamental e médio. E, entrando em uma universidade cara, a chance seria menor ainda. Nesse ponto, o programa de bolsas e de financiamento estudantil do governo federal ajudaram – e muito – para que alguns cursos da PUC-SP não fossem tão monocromáticos.
Uma pessoa que vive em uma bolha, a menos que conte com família, amigos e uma escola que deixem claro que nem tudo se resume a ele mesmo, pode se assustar quando percebe que o mundo não foi feito à sua imagem e semelhança.
Isso acontece nas redes sociais, onde o algoritmo faz com que você receba atualizações de perfis e páginas com que você interaja mais. Ou seja, na maior parte das vezes, de quem é seu amigo, pensa como você, tem os mesmos gostos, enfim.
Não é novidade, e muitos já escreveram sobre isso, que algumas redes sociais, por garantirem que chegue a você aquilo que se encaixa no seu perfil e na sua forma de interação com a sociedade, limita bastante a sua visão de mundo. Lembre-se que aquilo do qual gostamos não bate necessariamente com o que precisamos.
(Um salve para quem amava agrião e chicória desde pequeno e não teve que aprender a consumir.)
O mundo não concorda sempre com a gente, ao contrário do que parece nas redes sociais. Aliás, o mundo não tem uma única opinião, tem várias.
Daí, quando um amigo próximo compartilha uma página que traz uma opinião diferente, rola um frio na espinha. “Que ideia idiota! Esse cara só pode ser burro e picareta ou estar ganhando um por fora!” Não aceitamos a diferença porque não fomos ensinados a entender que ela existe e a conviver com ela.
Deve ser desesperador para alguém que vive imerso em uma bolha, física ou virtual, quando tem que ir à rua e ver pessoas diferentes, pensando diferente, agindo diferente.
Aquele bando de gente falando coisas que vão na direção contrária do que aprendeu durante toda a vida.
Que ouviu da família.
Que escutou na igreja.
Que sentiu na escola.
Que leu em veículos de comunicação.
E, sem querer entender o argumento do outro, vocifera: “Você está errado!”
E se o outro continuar a falar ou escrever, tal qual um zunido irritante e insistente, a pessoa, entrando em parafuso, fritando na batatinha, quase que instintivamente solta um “Cale-se!”
Fundamentado na certeza formada pelo calor aconchegante da bolha, ela vai lá e ameaça o outro. Às vezes, até o silencia fisicamente. Em sua cabeça, não está fazendo nada de errado, apenas protegendo a sociedade de quem quer desestabiliza-la e, ao mesmo tempo, reestabelecendo a ordem natural das coisas.
Com já disse aqui uma miríade de vezes, a internet possibilitou o acesso ao mundo. O problema é que não estávamos preparados para um mundo que não fosse necessariamente a nossa cara. Vivemos uma “adolescência” da rede – aprendemos para que servem os órgãos genitais e agora estamos usando-os loucamente, como se não houvesse amanhã e como se ninguém se machucasse no meio do caminho.
Como se resolve isso? Com a tranquilidade que não está sendo vista nestas eleições, em qualquer um dos lados que se estabeleceu.
E a receita é bem simples: se o gosto pela diferença não está no seu paladar, pelo menos inclua pitadas de tolerância.
O problema é que esse tempero não se compra ou empresta. Nós mesmos é que temos que produzi-lo ao longo do tempo na base de reflexão e autocrítica.
Pena que autocrítica também ande tão em falta no mercado.