*para Combate Racismo Ambiental
O Armazém São Vicente com reminiscências feudais tem um movimento especial às sextas-feiras, dia de capado. O porco é caipira. O toucinho fica sobre o balcão de azulejo branco próximo às facas afiadas e, no canto, a antiga balança de dois pratos. O agregado chega com o vale do fazendeiro à mão. O tipo do toucinho e a quantia são ao gosto do freguês. Num prato o contrapeso e, no outro, o toucinho; em geral gordo, para o preparo das refeições da semana, mas há os que preferem o magro para o torresminho com mandioca, uma delícia da culinária mineira. Prato bem diferente do outro de lá que se oferece durante essa campanha eleitoral através do retrovisor da história. O fiel da balança do Armazém nem sempre é tão fiel! Aparentemente no ponto de equilíbrio, ela é adulterada por dentro e rouba para o dono. Questão estrutural.
Há uma semelhança estreita entre essas balanças de dois pratos e o processo eletivo de 2014, no Brasil.
Marina, candidata derrotada no primeiro tempo, é colocada propositalmente por setor expressivo da classe dominante como o fiel da balança no segundo turno. Afinal, são mais de 20 milhões de votos. Mas não funciona! Essa figura contraditória passa pela luta de classe feito gato sobre brasa, migra para o ambientalismo, aloja-se no capitalismo verde e cai, agora, no palanque dos adoradores contumazes do capitalismo financeiro-especulativo. Quase sozinha! O seu peso político para transferência de voto é praticamente zero.
No prato da ultradireita pesa a captação devidamente inflacionada do antipetismo e de um justo sentimento de mudança presente no povo brasileiro, buscando tirar, inclusive, dividendos políticos das grandes manifestações populares de junho de 2013. Mas a tática perde fôlego por questões obvias. O PT tem problemas internos sérios, sim, que precisam ser expurgados – sem purismo -, mas, definitivamente, o Partido dos Trabalhadores não é o responsável por todos os males do Brasil. E quanto ao justo sentimento de mudança, ele está associado à melhora das condições de vida do povo em geral. Ao menos 36 milhões de brasileiros saem do estado de miséria no último período. Quem experimenta o ‘farelo do pão’ quer o pão inteiro, socializado. A classe trabalhadora, que produz toda a riqueza em qualquer tempo e parte do mundo merece a fatia maior do bolo. Mudança, então, significa mais participação, mais democracia, e soberania, na contramão da arrogância da ultradireita, com arroto fascista.
No prato da direita, pesam, sobretudo, os programas sociais e, nesse último instante, a comparação entre o tempo FHC e o tempo Lula/Dilma. O último ganha disparado! O exemplo dos mais contundentes é o baixo desemprego. Tem algum peso, também, a política externa; embora orientada pelo mercado, não segue um alinhamento irrestrito com o imperialismo norte-americano. Essa postura tem um potencial conflitivo interessante.
Aqui vale a pena um parêntesis pela grandeza da informação omitida na ‘grande’ mídia de nosso país. O New York Times, o maior veículo de comunicação impressa do mundo inteiro, afirma que a ajuda de Cuba no combate ao ebola é ‘a mais robusta do mundo’. A ilha socialista caribenha, persistentemente achincalhada pela ultradireita brasileira, envia centenas de profissionais médicos para missão de risco na linha de frente para combate ao ebola nas nações do Oeste africano. Esse é mais um exemplo do internacionalismo solidário de Cuba e a melhor resposta internacional seria a pressão dos países para o fim do bloqueio econômico norte-americano assassino imposto à Ilha desde 7 de fevereiro de 1962.
Voltando à metáfora da balança de dois pratos, o fiel nessas eleições é a disputa intercapitalista de tendência especulativa e produtiva. O capitalismo financeiro defende o Estado máximo para o capital e mínimo para o social. O capitalismo produtivo defende que o braço do Estado, ou quem sabe um de seus dedos mindinhos, deve sustentar políticas de ‘inclusão’ social. A diferença, portanto, é de gerenciamento de capital e, não, de dois projetos de sociedade. Apesar disso, é uma diferença considerável por causa do componente social do capital produtivo. E pela tendência das pesquisas nesse momento, parece que ele vai ganhar a parada. Ainda mais agora com um ingrediente também decisivo nessa reta final: a pouca militância que resta viva após tantos solavancos se envolve na campanha.
Nessas eleições, o prato do projeto popular de esquerda está fora do cardápio. O capitalismo é hegemônico. O mar do mundo está mais para os tubarões do que para as piabinhas dispersas em tendências. Luciana Genro tem uma postura exemplar no primeiro turno, diz do ‘sujo falando do mal lavado’ com certa propriedade – sem a verborreia esquerdista -, mas sua postura, apesar de votação expressiva, não tem força social suficiente para interferir na balança eleitoral nessa conjuntura.
Sem um projeto de esquerda em disputa, as parcas forças de esquerda no prato da direita desenvolvimentista ganham um significado relevante, uma luzinha no fim do túnel da mudança estrutural. Quem não tem cachorro caça com gato, pois a opção de não caçar inexiste já que ‘ninguém é uma ilha’. Mas essa relevância não se sustenta automaticamente. Nem é uma questão de urna, mas de rua! A ideologia do consenso de classe e da harmonia entre capital e trabalho não vão romper-se por si só. Os programas sociais de ‘inclusão’ não vão transformar-se em distribuição de renda por um passe de mágica.
Amplos setores do desenvolvimentismo, o qual se apropria dos bens naturais a partir da demanda do capital – e não da necessidade real das pessoas -, como é o caso de Belo Monte, não vão aceitar, de mão beijada, o aproveitamento do bem natural a serviço da melhora da qualidade de vida e da soberania do povo brasileiro. A dívida social do Estado brasileiro com as centenas de milhares de famílias atingidas por barragens no Brasil não será paga pela força de decreto ou pela boa vontade de qualquer governo. A ‘integração’ assassina imposta ao indígena e o completo descaso pela demarcação de suas terras ancestrais tendem a agravar-se ainda mais tanto com a direita quanto com a ultradireita. A teoria da ‘escadinha’ é falaciosa; mudança estrutural só se faz com ruptura profunda, do tamanho de um cavalo de pau num Transatlântico, ainda que num oceano ‘pacífico’. A mudança do sistema político, exigida por quase 8 milhões de brasileiros na Semana da Pátria, nos dias 1º a 7 de setembro, somente será possível num processo de luta popular. Por isso, a principal lição da história do último período é que acomodação, nunca mais! O tempero da luta misturado às parcas forças de esquerda é que ainda torna o prato da direita palatável. Apostar no quanto pior melhor, optando pela ultradireita, seria temerário.