Anderson Santos e Matias Rempel – Cimi Regional Mato Grosso do Sul
A todos os companheiros e companheiras,
Aos lutadores e lutadoras do povo,
Aos defensores e defensoras da vida e dos direitos humanos.
Frente a mais uma tragédia anunciada, prestes a ocorrer contra cerca de 250 indígenas Kaiowá no Mato Grosso do Sul, as entidades de defesa dos direitos humanos, movimentos sociais e sindicais, também organizações dos povos indígenas de MS, solidárias à luta dos povos indígenas do Brasil e do Mato Grosso do Sul, entre elas o Conselho Indigenista Missionário(Cimi), Centro da Defesa e Direitos Humanos – Marçal de Souza Tupã-i (CDDH), Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Coletivo Terra Vermelho (CTV), Rede Nacional dos Advogados Populares (Renap/MS), Centro de Documentação e Apoio aos Movimentos Populares (CEdampo), Centro de Estudos Bíblicos (Cebi), Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), Assembleia Guarani e Kaiowá (Aty Guasu), Conselho do Povo Terena e outros que podem ainda vir a somar – estendem a todos e a todas o apelo de ajuda e solidariedade para com a comunidade da terra indígena de Kurusu Ambá, localizada em Coronel Sapucaia (MS), que há muito luta pelo seu direito constitucional e sobretudo fundamental de ter uma vida digna e pelo mínimo acesso a seu território tradicional, medida essencial para sua sobrevivência física e cultural.
O histórico tanto das condições de “vida” as quais as famílias indígenas estão submetidas em Kurusu Ambá, bem como da luta e resistência dos Kaiowá pela demarcação de sua Terra Indígena, são por si só alarmantes e guardam traços de uma profunda desumanidade, situações que infelizmente hoje, frente a atual conjuntura, só pode ser revertida com o apoio de entidades e grupos sociais que vêm se postando como aliados na garantia dos direitos do povo e no fortalecimento do princípio da luta pela vida.
Há muitos anos, entidades nacionais e internacionais vêm sistematicamente denunciando a situação de pura miséria vivida e sentida no dia a dia pela comunidade. Em casos mais agudos, cerca de 250 pessoas atravessam meses sem ter nenhuma alimentação ou fazendo uma refeição por dia à base de uma solução composta apenas por água e farinha. Esta condição somada à contaminação do córrego d’água que corta a pequena faixa onde os indígenas se encontravam desde 2009, por agrotóxico proveniente da monocultura já causou o falecimento de um grande numero de crianças. A situação tem se agravado com os constantes atrasos na entrega de apoio alimentar que deveria ser realizado pela Funai.
Ao mesmo tempo, vivendo desprovidos de suas terras, não conseguem exercer o direito de viver de acordo com seus costumes, tradições, crenças e modo de vida. Esta vivência de seus costumes e tradicionalidade é tão importante para os indígenas que o fato de não poder exercê-los chega a causar muitas vezes em diversos povos o abandono da vontade de viver. O direito em deter terras que permitam o desenvolvimento do modo de ser originário é assegurado pela Constituição Federal e sua garantia é postada na mesma como dever do Estado Brasileiro.
A única solução sabidamente possível para por fim a este estado de hiper-vulnerabilidade sofrida pela comunidade Kaiowá é a demarcação de Kurusu Ambá, que garantiria sua soberania cultural e alimentar, esperada pelos indígenas desde de quando foram expulsos de seu território originário pelo plano do Governo em colonizar a região.
Ainda em 2007, por força do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre MPF e Funai deu-se início aos estudos antropológicos, porém os mesmos encontram-se atualmente paralisados.
Com a medida de paralisação das demarcações adotada pelo governo federal os procedimentos foram interrompidos e a comunidade entrou novamente em estágio de intenso sofrimento. Restou aos indígenas a busca direta pelo seu espaço e pela sua sobrevivência, porém medidas pacíficas que tão somente visam a sobrevivência da comunidade, em especial de seus filhos e filhas causaram aos Kaiowá um drástico e constante cenário de ataques realizados por pistoleiros e jagunços junto ao total descaso e “fechar de olhos” do governo federal.
A comunidade de Kurusu Ambá é uma das que mais teve lideranças assassinadas por estarem em luta pela demarcação de suas terras no estado Mato Grosso do Sul. Desde 2007, já foram mais de dez assassinatos durante processos anteriores de tentativa de retomada desta mesma terra tradicional. Nos mais repercutidos, se destacam o assassinato de duas lideranças executadas deliberadamente por grupos armados, sendo, Xurite Lopes, importante rezadora com mais de 70 anos, e o líder Ortiz Lopes.
Frente a todo este contexto e buscando uma oportunidade de viver, no dia 24 de setembro de 2014, a comunidade indígena de Kurusu Ambá decidiu por retomar uma pequeníssima parcela de seu território tradicional, em específico, um espaço de terra para poder plantar e, após sofrerem represarias de um arrendatário, uma pequena sede da Fazenda Barra Bonita de propriedade de CERCY SILVEIRA DA SILVA, MARILENE NUNES DA SILVA, JOÃO ANTONIO FARIAS, mas atualmente arrendada para ROBERTO RAMOS e MARIA HELENA VANZELA RAMOS.
Nesta mesma data, retratando mais um quadro na galeria das violências acometidas contra os povos indígenas no estado celeiro do agronegócio, eram ouvidas junto a Justiça Federal de Ponta Porã (MS), as testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal em face de 19 acusados pela pratica de diversos crimes, entre estes, o assassinato e a ocultação do cadáver do cacique Nísio Gomes[1] da Terra Indígena de Guaiviry.
Tão logo os indígenas começaram sua ação, buscaram eles mesmos notificar os órgãos responsáveis e garantir a tranquilidade do processo de retomada do pequeno espaço de terra. Os indígenas vêm denunciando todos os dias a movimentação de grupos armados que rondam o pequeno acampamento de suas famílias.
No dia 03[2] de outubro aconteceram os primeiros ataques concretos contra os Kaiowá, onde barracas foram destruídas e a comunidade passou por intenso momento de terror.
Como já era de se esperar, enquanto os indígenas seguem sem a demarcação de seu território e jagunços avançam diretamente contra as famílias indígenas, os proprietários buscaram na justiça o despejo do povo Kaiowá. No dia 29 de setembro de 2014, na sala de audiência da Justiça Federal de Ponta Porã (MS) foi tentado um acordo que em termos rasos se resumia em reagrupar a comunidade em aproximadamente 10 hectares para que esperassem a conclusão do processo demarcação em melhores condições que a atual.
O resultado foi o pior possível. Mesmo que na audiência em si, o julgador não tenha proferido sua decisão de imediato, o fez três dias depois, no dia 06 de outubro onde foi determinado o prazo de 20 dias para que a comunidade desocupe a sede da fazenda e retorne, voluntariamente, aos quatro hectares que ocupavam às margens de uma pequena mata – área de proteção ambiental – mesmo local em que os indígenas tem vivido como indigentes por todos estes anos. Não bastasse isso, ainda foi utilizado no julgado a tese do “Marco Temporal” que veio a tona novamente nos últimos julgados do STF, tese esta que despreza todo o processo de expulsão sofrida pelos Guarani e Kaiowá nas décadas de 10 a 30 do século passado.
Nesta conjuntura, o momento é de grande preocupação e tensão e necessita da atenção de todos os cidadãos e entidades de defesa dos direitos humanos, pois está se caminhando para mais uma tragédia em Mato Grosso do Sul.
Temerosos pelo cumprimento da ordem de reintegração de posse no Kurusu Ambá, pela possível e provável onda de ataques de jagunços uma vez que a comunidade encontra-se desassistida e, pelo alto teor de fome, sede, e todo o tipo de necessidades básicas que atacam diretamente os direitos humanos, a comunidade indígena de Kurusu Ambá necessita do apoio e solidariedade dos aliados e pede:
O início de campanha de doação de alimentos, água e vestes para a comunidade.
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Local de Coleta: MST-rua Juruena, 309, bairro Taquarussu, Campo Grande (MS)
[1] http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=7741
[2] http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=7758&action=read