Durante este século, o impacto da mudança climática pode desacelerar o crescimento econômico, tornar mais difícil reduzir a pobreza, corroer a segurança alimentar e criar novas armadilhas para os mais carentes, particularmente em áreas urbanas e nos locais onde há mais fome. As previsões são do economista indiano Rajendra Kumar Pachauri, 74 anos, presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, em inglês) e um dos cientistas mundiais mais importantes sobre o tema
Daniela Chiaretti – Valor
“É bem provável que a duração, a frequência e a intensidade das ondas de calor irão aumentar. Em alguns cenários, o dia mais quente em 20 anos será o dia mais quente em 2 anos, na maioria das regiões. É provável que a frequência de chuvas pesadas ou a proporção de chuvas fortes no total das precipitações irá aumentar em muitas áreas da Terra”, seguiu Pachauri.
Segundo ele, todos os aspectos da segurança alimentar serão afetados pela mudança do clima: acesso à comida, consumo e estabilidade de preços. “Os impactos irão acontecer em um contexto de demanda crescente”, continuou o economista e engenheiro industrial. Culturas de milho, trigo e arroz sofrerão muitos impactos se não houver adaptação, advertiu.
A redistribuição dos estoques de peixes, com oceanos mais quentes, coloca em risco pesca, lucros e empregos, continuou. “Mas se a adaptação for bem feita, as perdas no PIB podem ser muito menores. É preciso integrar governo, empresas e sociedade nesse esforço urgente. E aumentar muito o fornecimento de energias renováveis”, recomendou.
“Aspectos da mudança do clima irão persistir por muitos anos, mesmo se as emissões de CO2 pararem”, continuou Pachauri, em visita a Lima para um seminário preparatório à conferência do clima que vai acontecer em dezembro, no Peru. Depois do evento, ele se encontrou com o presidente peruano, Ollanta Humala.
Ele mostrou preocupação com os cenários nas Américas Central e do Sul. “Sete de nove bacias hidrográficas no Peru provavelmente já cruzaram um limiar crítico, exibindo uma descarga menor, durante a estação seca, na cordilheira Branca do Peru”, disse. Experiências de adaptação no Peru procuram diversificar culturas (até para resistir às pragas) e preservar ecossistemas andinos para conservar as nascentes dos rios.
“Nas Américas Central e do Sul a variabilidade climática e os eventos extremos estão afetando grandes setores da população e os mais carentes e vulneráveis sofrem mais”, prosseguiu. “Regiões que tinham um inverno de três meses, como Buenos Aires, hoje só têm alguns dias frios”, disse.
Ele lembrou que a temperatura subiu no sudeste dos Andes peruanos entre 1964 e 2006. Na Amazônia ocidental peruana, as chuvas diminuíram entre 1964 e 2003. Há uma rápida retração das geleiras na Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia.
Globalmente, os crescimentos econômico e populacional continuam sendo os mais importantes vetores do aumento das emissões de CO2 pela queima de combustíveis fósseis, disse Pachauri, que preside o IPCC, o braço científico das Nações Unidas, há 12 anos.
A responsabilidade humana no aquecimento global é de 95%, lembrou. De 1900 para cá, os oceanos aqueceram e seu nível subiu, a quantidade de neve e gelo diminuiu e a concentração de gases-estufa cresceu. “Desde 1950, muitas das mudanças são sem precedentes em décadas e até em milênios.”
O IPCC lançou seu 5º Relatório sobre mudança climática em três partes. A primeira, sobre ciência do clima, divulgada há um ano, reuniu 259 autores de 39 países e recebeu 54.677 comentários. A segunda, lançada em março, em Yokohama, foi sobre adaptação, reuniu 309 autores de 70 países e teve 50.444 comentários. A última, sobre mitigação, em abril, em Berlim, reuniu o trabalho de 235 autores de 57 países e recebeu 38.315 comentários.
O esforço do IPCC em entender a mudança do clima terá seu último capítulo, desta edição, em 2 de novembro, em Copenhague, quando será divulgado o resumo da série, um relatório-síntese, integrando os principais pontos dos outros três. Terá cem páginas e foi coordenado pelo próprio Pachauri.