O Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), articulação nacional que reúne entidades e movimentos sociais com atuação voltada à defesa e promoção do direito à cidade, à construção de cidades justas e inclusivas, vem manifestar sua preocupação quanto ao julgamento do Supremo Tribunal (RE 607940) de declarar constitucional que regras isoladas possam criar direitos e obrigações fora do contexto urbanístico global estabelecido pelos Planos Diretores. O FNRU se manifesta pela inconstitucionalidade de legislações municipais, que tratem sobre o desenvolvimento urbano, sem a elaboração de estudos urbanísticos globais e sem a participação efetiva da população.
Permitir que uma Lei Complementar emende a legislação urbana municipal, passando ao largo do processo pelo qual o Plano Diretor vigente foi implementado, desprestigiará as inúmeras providências técnicas e administrativas, além da ampla participação popular exigida para a elaboração desse instrumento. Isso descumpre os dispositivos constitucionais, além do Estatuto da Cidade – Lei Federal 10.257/2001. As decisões tomadas por um coletivo de políticos, sem a suficiente avaliação técnica e debate democrático, trará como resultado uma Lei desconexa, elaborada ao sabor da preferência momentânea de vereadores, fora do planejamento base representado pelo Plano Diretor.
A natureza jurídica do Plano Diretor é sui generis, se assemelha a uma Constituição Urbanística do Município, devendo haver a salvaguarda do devido processo legal, que neste caso, por exigência do Estatuto da Cidade, da CR/88, e pormenorizado nas Resoluções n. 25/2005 e n. 34/2005 do Conselho Nacional das Cidades, deve observar ampla participação social. Assim, o Plano Diretor não é somente mais um lei no compêndio normativo do município, mas uma pactuação político-social emanada por ampla deliberação pública, sobre o desenvolvimento urbano por um período de 10 anos. Sem olvidar que é por meio de tal instrumento que se tem o contorno do conteúdo da função social da propriedade urbana, como dispõe o art. 182, §2º, da CR/88, o que justifica o procedimento especial que reveste esta normativa uma vez que a concretização de inúmeros direitos sociais, econômicos, sociais e ambientais (moradia, mobilidade, acesso a emprego e renda, lazer, saúde educação, dentre outros) se pactuam neste instrumento.
Consequentemente, toda a legislação urbanística local submete-se à mesma intencionalidade e ao mesmo regime jurídico de produção (por exemplo, ao processo legislativo especial, com quórum qualificado, inarredável participação popular, iniciativas reservadas, estudos técnicos, etc.), mesmo que formalmente editada em diploma próprio apartado. Outra não pode ser a interpretação da Política Urbana Constitucional senão aquela que compreenda os processos de elaboração ou revisão dos Planos Diretores como uma pactuação social sobre as diferentes políticas no território e sobre os contornos da função social da propriedade, tornando o Plano Diretor instrumento máximo definidor dos parâmetros urbanísticos municipais, e isto somente se dá com a observância do devido processo participativo popular.
Não é de hoje que este Fórum, moradores e moradoras lutam para que a Política Urbana seja construída de forma democrática e participativa. As conquistas chegam gradualmente e os Planos Diretores tem desempenhado um papel fundamental, daí nossa indignação e preocupação quanto ao debate sobre o conteúdo do Plano Diretor, e a possibilidade ou não de temas urbanísticos serem regulados por normas fora e incongruentes a esse Plano. De forma que toda a luta por processos participativos, toda conquista alcançada nos longos períodos de debates públicos poderiam ser colocados abaixo por uma votação na Câmara Municipal, por Lei Complementar sem qualquer participação popular mais ampliada.
Os Planos Diretores são definidos em um processo que assegura a amplitude, a consistência técnica e política exigida pela sociedade democrática para construir a cidade desejada por todos nós. Por isso, o FNRU defende o Plano Diretor enquanto instrumento básico da política urbana como forma de democratizar nossas cidades.
Defendemos que não seja considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal a elaboração e revisão de Planos Diretores sem processos públicos participativos possibilitando nos Municípios mudanças pontuais nos planos diretores que resultem em obstáculos e retrocessos para a promoção da política urbana preconizada na Constituição Federal e no Estatuto da Cidades em especial .