Sai a FIFA. Entra a ONU

Fifa“Circo sem pão e pago pela plebe”

Por Enildo Iglesias, Rel-UITA / Tradução: Luciana Gaffrée

A Copa do Mundo da FIFA 2014, atualmente em disputa, mais uma vez põe à mostra a voracidade mafiosa da FIFA, assim como a corrupção que ela mesma gera e incentiva. Com razão, grande parte da população brasileira está indignada e protesta. Porém, como sempre, voltará a ocorrer daqui a quatro anos. E nos perguntamos? Não haverá chegado o momento de substituir a FIFA pela ONU?

Guillermo Almeyra, em matéria publicada no domingo, 15 de junho, no jornal mexicano La Jornada, intitulada “Circo sem pão e pago pela plebe” (na sua tradução para o português), refere-se à Copa do Mundo da FIFA 2014, que acontece nesse momento no Brasil.

Faz-nos lembrar da Roma antiga, cujas classes dominantes distribuíam pão à plebe e lhe ofereciam cruéis espetáculos, num circo onde os espectadores faziam a catarse de seu ódio reprimido.

Conclui a matéria que as atuais vítimas do capital, diferentemente da antiga Roma, pagam este novo circo alienante com seus impostos e financiam a construção dos estádios que absorvem o dinheiro que deveria se destinar a moradias populares, ou a melhorar o transporte, ou aos sistemas de educação e saúde, etc.

Por outro lado, um relatório sobre os legados deixados pelas Copas da Alemanha, África do Sul e Brasil, elaborado em final de maio, pela Fundação Heinrich Böll,põem números na comparação anteriormente feita.

E essas cifras mostram claramente como os exorbitantes gastos feitos pelo Brasil para organizar a Copa do Mundo da FIFA 2014 (para que um punhado de corporações transnacionais lucrem) foram financiados com dinheiro público.

No momento de concluir o relatório (com os gastos ainda em andamento) o investimento chegava a 26 bilhões de reais, dos quais 85% saíram dos cofres públicos.

Tamanho investimento para quê?

Esse descomunal investimento de dinheiro público foi justificado com o argumento de que geraria emprego e significaria uma forte injeção para a economia do país.

As estimativas eram de que a Copa injetaria 142 bilhões de reais na economia brasileira e geraria 3,6 bilhões de empregos por ano entre 2010 e 2014.

Além dos 63 bilhões de reais de renda para a população, o que teria sido justo, já que se estima que 60% do povo brasileiro não podem pagar por uma entrada ao estádio para assistir aos jogos da Copa.

De acordo com este relatório, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) prometeu organizar a Copa do Mundo com uma maioria de recursos privados, coisa que ao longo dos sete anos de preparação do evento não aconteceu,

Algo bem parecido aconteceu com a previsão dos gastos, que era de 5 bilhões de reais, e já chegaram, no início de 2014, aos 30 bilhões.

A FIFA nunca perde

O relatório também destaca que apesar de a FIFA ser uma organização sem fins lucrativos, em seu balanço de 2012, ela declarou um lucro de 178 milhões de reais e uma reserva financeira de 2,6 bilhões de reais.

A organização da Copa do Mundo no Brasil deverá garantir à FIFA um faturamento equivalente a 4,3 bilhões de dólares, na África do Sul (2010) foram 3,1 bilhões e na Alemanha (2006) 1,9 bilhão.

Para que o Brasil fosse o país organizador do evento, entre outras coisas, a FIFA exigiu uma isenção de impostos nos contratos, estimada em quase 450 milhões de dólares, que irão para os bolsos da FIFA.

O poder dessa enorme transnacional, chamada FIFA, chegou a gerar a “Lei da Copa” (Nº 12663/12), forçando com isso a garantia desses e de outros benefícios, numa lei que obriga o governo a garantir a segurança, a saúde e a vigilância sanitária, além de que, em caso de que o evento não pudesse acontecer, seria o governo o responsável pelos danos e prejuízos acarretados.

A FIFA e suas parceiras transnacionais (Coca Cola, Adidas, McDonalds, AB InBev, etc) serão as grandes beneficiadas, com a garantia de um substancial retorno.

Em contrapartida, a renda que supostamente iria para a população brasileira dificilmente haverá. Os pequenos vendedores ambulantes – numerosos no Brasil – estão obrigados a se manter a mais de dois quilômetros dos estádios por uma barreira de segurança, feita pela polícia e o exército, garantindo a exclusiva atividade comercial dos autorizados pela FIFA.

Para completar o quadro, devemos lembrar que muitos desses vendedores ambulantes são integrantes das 170 mil famílias que foram desalojadas à força para a construção dos estádios.

Nem trabalhadores, nem colaboradores, a FIFA tem voluntários

Cerca de 14 mil pessoas passaram por várias etapas de treinamento para atuarem como voluntários durante a Copa do Mundo, divididos em dois programas, um administrado pelo Comitê Organizador Local da FIFA (COL) e o outro pelo Ministério do Esporte.

Os voluntários estão distribuídos nas cidades sede e atuarão em aeroportos, estádios e centros de imprensa dando assistência aos visitantes, à imprensa e às seleções de futebol.

No programa dirigido pelo COL os voluntários estarão disponíveis durante os 20 dias corridos e cumprir jornadas diárias de até 10 horas.

Essa forma de explorar o trabalho das pessoas por meio de um denominado voluntariado não escapou ao Ministério Público do Trabalho (MPT).

Uma ação civil pública iniciada pelo MPT do Rio de Janeiro, 10 dias antes do torneio, advertiu que o programa de voluntários da FIFA fere a legislação nacional e exigiu da FIFA que todos os seus trabalhadores tivessem a carteira de trabalho assinada e direito à previdência social (requisito legal para todo assalariado no Brasil), além de uma indenização equivalente a 901 mil dólares.

Segundo a lei brasileira, o voluntariado só pode ser exercido em entidades públicas, associações ou outras instituições sem fins lucrativos. “A FIFA é uma entidade com fins lucrativos, com sócios definidos, com uma cláusula em seu contrato social que diz que os lucros serão distribuídos de acordo com a deliberação desses sócios”, argumenta o MPT.

Enquanto isto, para o COL a ação do MPT “não tem fundamento jurídico”, já que a FIFA estaria atuando de acordo com o previsto na Lei da Copa.

O MPT argumenta que a legislação nacional é a que deve prevalecer acima da exceção estabelecida pela Lei da Copa, ponto de vista que é compartilhado pela Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (ABRAT), e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Justificativa e proposta

Com esse panorama e considerando que o Brasil é o país mais desigual da região mais desigual do mundo, parece legítimo que uma alta porcentagem da população brasileira proteste contra a realização da Copa em seu país, por entender que existem outras necessidades a cobrir.  

A insatisfação e os protestos eram tão previsíveis que a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro chegou a anunciar que agentes do FBI estavam treinando a Tropa de Choque.

Menos difundidos, cursos similares foram oferecidos pelos mesmos agentes às Tropas de Choque de São Paulo, do Ceará, do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e de Minas Gerais.

E se os protestos são legítimos – na maioria deles – é inaceitavelmente impertinente e arrogante que Michel Platini, antes um extraordinário jogador de futebol, hoje um escuro presidente da União Europeia de Associações de Futebol (UEFA), tivesse sugerido aos brasileiros, em 26 de abril passado: “Façam um esforço, deixem de fazer manifestações sociais e se acalmem durante um mês”.

Tudo isto nos leva a perguntar: qual a necessidade, para nós, de termos jogos organizados como um negócio pela máfia internacional?

E apesar de que uma andorinha só não faz verão, eu tive a ideia de que a ONU poderia organizar muito melhor e bem mais democraticamente os campeonatos do mundo de futebol, em lugar de se dedicar a elaborar discursos que ninguém escuta e de estabelecer dias comemorativos que não servem para nada.

Nota:
(*) Adital. Natalia Viana, Estados Unidos entrenó policías para contener manifestaciones en la Copa: Parte I y II..

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