Em Paraíba
A Justiça Federal determinou que o Google Brasil retire do YouTube quinze vídeos que, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), disseminam “preconceito, intolerância e discriminação a religiões de matriz africana”. Os procuradores de Justiça obtiveram vitória na 17ª Vara Federal do Rio e recorreram ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) para obter urgência na exclusão dos arquivos. A decisão, proferida nesta sexta-feira, determina que os vídeos listados pelo MPF sejam removidos em até 72 horas, sob pena de multa diária de 50 mil reais em caso de descumprimento.
A ação foi movida pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC/RJ), que baseou-se na garantia constitucional aos direitos individuais dos cidadãos e no dever do Estado de zelar para que as pessoas sejam “respeitadas em suas relações recíprocas”. Para a Procuradoria, “somente a imediata exclusão dos vídeos da internet restauraria a dignidade de tratamento que nesse caso foi negada às religiões de matrizes africanas”, diz uma nota divulgada pelo MPF.
“A liberdade de expressão não pode constituir (e, de fato, não constitui) autorização irrestrita para ofender, injuriar, denegrir, difamar e/ou caluniar outrem”, afirmou, na liminar, o desembargador federal Reis Friede, para quem a intolerância e as tendências autoritárias perpassam com vigor a sociedade brasileira. “Vale dizer, liberdade de expressão não pode se traduzir em desrespeito às diferentes manifestações dessa mesma liberdade, sendo correto dizer que a liberdade de expressão encontra limites no próprio exercício de outros direitos fundamentais”, escreveu Friede.
O MPF recorreu ao Tribunal Regional Federal, com pedido de liminar, para também obter o armazenamento de informações sobre data, hora, local e número do IP (Internet Protocol) dos usuários responsáveis pela divulgação dos vídeos. Os procuradores destacaram a “extrema necessidade” de registro desses dados “para os divulgadores de vídeos ilegais não ficarem impunes”. O pedido dessa armazenagem acompanha o que foi recém-estabelecido pelo Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014, art. 10).
Intolerância – A intolerância religiosa, principalmente dirigida a crenças de origem africana, é caso de polícia no Rio de Janeiro. Na noite dessa quinta-feira, 26, o segundo andar do barracão de candomblé de mãe Conceição D’Lissá, de 53 anos, foi incendiado no bairro Jardim Vale do Sol, em Duque de Caxias, na baixada fluminense. Nos últimos seis anos, esse já é o sexto atentado contra a casa e sua dona, que também foi vítima de uma tentativa de homicídio. Sem apontar suspeitos, ela afirma que os atentados têm cunho religioso já que sua vida “é pautada na questão religiosa”.
De acordo com a mãe de santo, os invasores cortaram o arame farpado em cima do muro para entrar na casa que funciona apenas para as sessões religiosas. Sem conseguir entrar no primeiro andar, onde ficam a cozinha, os quartos e o salão dedicado aos santos, eles quebraram a corrente e o cadeado e entraram no segundo andar, lugar onde são guardadas as roupas de santo e outros itens usados nas sessões. Os invasores atearam fogo no nível superior, que estava em obras para ampliação do espaço e ficou completamente destruído. O telhado veio abaixo.
“Não sobrou nada, foi uma perda inestimável. Estou me sentindo como se fosse uma mulher estuprada, me pergunto o que fiz de errado para isso acontecer. Estou vivendo aquela situação em que a vítima começa a achar que foi a causadora (do ataque). É uma sensação muito ruim”. O incêndio será registrado nesta sexta-feira, 27, na 62ª Delegacia de Polícia (Imbariê, em Duque de Caxias) como intolerância religiosa, assim como os outros casos, exceto a tentativa de homicídio que ela afirma ter tentado acrescentar a motivação religiosa no boletim, mas não foi possível. Nenhum suspeito foi identificado até hoje. A reportagem do Estado entrou em contato com a assessoria da Polícia Civil, mas ainda não obteve resposta. Em protesto contra a não resolução dos casos, a mãe de santo e o sacerdote Luis Eduardo Negrogun iniciaram uma greve de fome para que “o Estado intervenha nas investigações sobre a série de ataques” ao barracão.
“Queremos que o Estado se manifeste de maneira efetiva contra a intolerância religiosa e o racismo porque quando o caso acontece em um estádio de futebol todo mundo vê, mas quando é na nossa casa ninguém olha. É inadmissível que em um estado laico a gente ainda passe por essas privações”, disse mãe Conceição, que foi candidata a deputada federal pelo PC do B, em 2010.
O barracão funciona há treze anos no Jardim Vale do Sol. Há sete, ela e a família se mudaram para o bairro e, desde então, começaram as ameaças à mãe de santo. Há um mês, o carro de Leonardo Duran, filho de santo de Conceição, foi incendiado na porta do barracão. Na tentativa de homicídio, também atiraram na casa e no barracão, que fica na mesma rua.
Conceição diz que têm recebido ligações no barracão em que a pessoa permanece muda do outro lado da linha. “Tenho a impressão de que é para saber se tem gente na casa”. Ela diz que, pela primeira vez, pensa em pedir proteção policial. “Acho que o Estado está esperando que eu seja assassinada para tomar uma postura. Esperamos que eles nos vejam, nos ouçam e façam uma coisa”. De acordo com a Defesa Civil, as paredes do segundo andar da casa terão que ser reforçadas caso o espaço seja reconstruído.